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Quem são os indígenas em contexto urbano em Cariacica?

Arquivo Público do Espírito Santo

No último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2022, 372 moradores de Cariacica se autodeclararam como indígenas. Dos mais de 350 mil habitantes, o município concentra 96% da população em área urbana. Embora um número tão pequeno dentro da realidade total dos habitantes, o reconhecimento destas pessoas como indígenas despertou a curiosidade e interesse para criação de um projeto denominado Cari-Jaci-Caá.

“Queremos entender como essa diversidade cultural se manifesta, seus modos de vida e tradições, sua movimentação política e identitária”, diz a idealizadora do projeto Letícia Freitas, identificada também como Lety Puri, devido ao resgate de sua ancestralidade indígena. O nome escolhido para o projeto parte das contradições encontradas sobre a etimologia da própria palavra Cariacica. 

A mais conhecida versão seria que o nome do município significa “chegada do homem branco”. Porém, outras bibliografias consultadas e diálogos com linguistas com base no Tupi Antigo trazem outros possíveis significados menos conhecidos da população. Entre eles, explica Lety, estaria o akari-asica, sendo acari uma espécie de peixe, e asika decepado, trazendo o significado de peixe decapitado ou pedaço de peixe. “Poucos são os estudos sobre a história de Cariacica, estamos com dificuldades em buscar bibliografias”, relata a coordenadora.

Essas ausências, frutos de processos históricos, são justamente uma motivação para as pesquisas, que devem resultar em um documentário para contar as histórias de vida dessas pessoas que se autodeclaram indígenas e explicitar isso para espectadores do município e além dele. Para isso, o primeiro passo foi a criação de um formulário online, divulgado na página do projeto no Instagram, para tentar mapear e fazer um levantamento prévio de dados. Interessados em relatar suas histórias no projeto podem entrar em contato também pela página, pelo e-mail [email protected] ou ainda pelo telefone (27) 99749-5654

“Além do levantamento bibliográfico sobre a cidade, teremos a pesquisa de campo em que vamos entrevistar uma pequena amostra das pessoas autodeclaradas indígenas. Ao captar essas histórias de vida, vamos produzir um curta-metragem em que possamos mostrar a afirmação de suas identidades, visões de mundo, desafios da vida a partir deste recorte racial, além das suas contribuições para o bem viver e a valorização de suas culturas”, explica Lety Puri. O projeto conta com financiamento público por meio de edital lançado pela prefeitura municipal com recursos federais da Lei Paulo Gustavo.

Ela ressalta que a existência de indígenas em contexto urbano, foco principal do projeto, não é nenhuma novidade no Brasil, pois desde a invasão colonial a partir de 1500, populações nativas estiveram confinadas em aldeamentos jesuíticos que vieram a se tornar as primeiras vilas e cidades estabelecidas.

“Os indígenas passaram por um cruel processo de etnocídio e o apagamento de suas identidades. Era muito oportuno apagar as identidades territoriais para não gerar pertencimento e propriedade da terra. Portanto, ao invés de ocuparem amplos territórios ancestrais, foram confinados, mortos ou catequizados, passando a habitar pequenos assentamentos urbanos, seja por falta de territórios ou por migração forçada”, analisa Letícia, cuja família veio de Minas Gerais para fincar raízes em Cariacica após perder suas terras.

No contexto urbano, povos de diversas etnias existentes foram fundamentais na construção de grandes empreendimentos coloniais, na defesa das cidades e em outras atividades, por meio de mão de obra escrava ou extremamente barata. “Deixam um grande legado na cultura popular e para a riqueza cultural em todo país. Daí a importância de entender essas histórias e desafios enfrentados ao longo dos anos”.

O tema da presença indígena em contexto urbano, explica, ganhou maior visibilidade a partir da década de 80 do século 20, quando a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), definiu critérios de autodeclaração indígenas, permitindo que os povos autoafirmem sua identidade. “Por meio desse movimento crescente de afirmação de identidade, são criadas redes de apoio, estudos de suas ancestralidades, resgate de práticas culturais tradicionais, buscas por fortalecer e preservar suas tradições em contato com a natureza e em prol de um bem viver. Esse movimento de resiliência é uma narrativa importante a ser descoberta e a isso se direciona o documentário”.

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