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‘Não foi um acidente’, denuncia sindicato sobre naufrágio de trabalhador de rebocador

Aquasind acionou a Justiça há três anos contra redução das tripulações, que criam riscos de naufrágio

Tati Beling/Ales

“Isso pra mim não é um acidente. Já é premeditado”, afirma, com pesar, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Transporte Aquaviário do Espírito Santo (Aquasind), Antenor José da Silva Filho, com relação ao desaparecimento do chefe de máquinas Eric Barcelos Rangel, de 56 anos, um dos três tripulantes do rebocador que afundou na noite de domingo (1) na região da Ilha Escalvada, em Guarapari. 

“Quando se fala em acidente, é uma coisa que não se pode prever. Mas nós temos alertado as autoridades, temos processos na Justiça há três anos, contra a redução das tripulações de embarcações como essa em que o Eric estava”, expõe Antenor. 


As ações judicializadas pedem abstenção das jornadas praticadas com escala muito exaustiva devido ao número reduzido de tripulantes, explica Antenor. “As empresas têm que cumprir a legislação”, afirma, enunciando a jornada de seis horas ininterruptas para embarcados, a jornada administrativa de oito horas ou o turno de 12 x 36 horas. 
Ao contrário do que estabelece a legislação trabalhista, as escalas têm sido de 48 horas ou até 72 horas para os embarcados, conta Antenor. E o motivo é a redução das equipes embarcadas. A viagem em que estava Eric Barcelos, por exemplo, antes desses cortes promovidos pelas empresas do setor, contava com no mínimo dois profissionais a mais, para que houvesse condições seguras de revezamento. 
“Já alertei a todas as autoridades, por ofício: ‘quero ver quando um trabalhador cochilar pelo cansaço e subir em uma pedra e encalhar. Vai atingir meio ambiente, dependendo da situação é óleo na água. Mas as empresas não estão nem aí, estão achando que está tudo normal”, afirma, indignado.
“Tudo o que foge a isso [as jornadas legisladas] é através de acordo coletivo. E se não tem acordo, é porque há algo com que os trabalhadores não estão concordando, já prevendo uma situação como essa”, aduz, ressaltando que há dois anos a categoria está sem acordo coletivo. 
“Não há acordo. Como vamos assinar um acordo sabendo que é prejudicial e que pode acontecer o que aconteceu agora?”, pondera. “Há outras embarcações de porte maior que estão na mesma situação. Estão com guarnição [equipe] reduzida, operando dia e noite, colocando em risco a tripulação e a própria operação. Agora vão esperar acontecer mais alguma coisa pra encontrar culpados? E essas empresas pregam segurança! O trabalhador obedece e não denuncia. Tem medo até da sombra deles para não perder o emprego”, relata. 
Obrigação de fazer
Das ações judicializadas, apenas uma teve até agora decisão favorável ao sindicato, informa Antenor. Mas ainda sem a “obrigação de fazer”, ou seja, não há multa ou outras punições para o caso de não cumprimento pelas empresas. E, deixando a decisão na mão do trabalhador, a situação de perigo continua. “Se o trabalhador se negar a aceitar o trabalho nessas condições, ele está na rua”, afirma.

De fato, contextualiza o presidente do Aquasind, dos três mil cadastrados no sindicato hoje, somente 500 estão ativos no Espírito Santo e muitos estão desempregados. “Por falta de campo de trabalho aqui, muitos vão pra Macaé e outros estados. A partir do momento em que reduz a guarnição, reduz o campo de trabalho. Tem os que trabalham em jornadas extensas e tem duas vezes mais profissionais em casa, se virando da melhor maneira possível, fazendo bicos”, expõe.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) também é ciente dos alertas do sindicato, bem como a Capitania dos portos. “Todo mundo é ciente. Temos alertado sobre essa situação há anos. Mas de uns tempos pra cá piorou, porque reduziram mais ainda as guarnições”, conta.

Despacho da Capitania
Antenor conta que o sindicato vai oficiar a Capitania dos Portos pra saber se houve o despacho para autorizar a viagem de Eric e seus colegas. “Quando há esse deslocamento, primeiro tem que ter um despacho da Capitania. Não posso afirmar, mas não acredito que tenha despacho, porque requer uma tripulação maior, é complicado a Capitania dar despacho numa situação dessas”, diz.

Sobre os culpados pelo naufrágio, Antenor reconhece que são vários, mas que cabe à empresa que contratou a tripulação uma parcela significativa. “Culpado é quem dá as condições para isso. A Nave Metre é a maior responsável pela contratação”, informa.

Segundo a família de Eric, ele foi chamado para o serviço devido à sua experiência em dar manutenção na embarcação que afundou, a Oceano 1, de propriedade da Vitória Embarcações.

“Podemos afirmar que ele foi chamado a partir do conhecimento que ele tinha sobre ela. Foi um trabalho à parte, um freela. Ele já trabalhou para essa empresa e foi chamado por conhecer essa embarcação”, conta Tatiana Rosa, sobrinha de Eric.

“Eric tem mais de vinte anos de experiência. Ele sempre foi muito estudioso, sempre pesquisou muito sobre o que faz, é a primeira vez que acontece uma coisa dessas com ele. Mas essa embarcação já deu outros problemas, nada grave, mas ela por estar quebrada já aumentou tempo de trabalho dele. Por ele saber mexer bem, pediram que ele fosse”, diz Tatiana.

Vivo e com colete
A família só soube do desaparecimento de Eric na noite de segunda-feira (2), por telefone. “Dois tripulantes já foram encontrados, estão no Hospital São Lucas e o Barcelos continua desaparecido. Pedimos ajuda!”, apela. O último contato com o familiar foi no domingo por volta das 10h50. “A embarcação era para chegar às 2h de segunda-feira no Rio de Janeiro. Só deram conta que o barco havia desaparecido depois que ele não chegou ao destino”, relata.

À família foi dito que o pai saiu com vida, vestido de colete salva-vidas. Os dois outros tripulantes pularam na água primeiro, e Eric pulou por último, porque estava no interior da embarcação. “Mas eles viram ele pulando do barco com vida”, diz. “Pedimos ajuda”, apela. 
As buscas pelo chefe de máquinas prosseguem, tanto por mar quanto por via aérea, e a Marinha abriu inquérito para apurar as causas do naufrágio.

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