Sexta, 03 Mai 2024

Consultora da Renova indica filtro artesanal para água contaminada com arsênio

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Leonardo Sá
Filtro caseiro purifica água contaminada com arsênio? Para a Fundação Renova, sim. É o que indica a atividade realizada por uma empresa contratada por ela para realizar atividades de educação ambiental na comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, norte do Estado, que teve sua água contaminada por arsênio em decorrência do crime da Samarco/Vale-BHP e é há anos abastecida com água mineral, como parte das medidas de reparação e compensação.

A atividade foi denunciada pela Associação dos Pescadores e Extrativistas e Remanescentes de Quilombo de Degredo (ASPERQD), que é a Assessoria Técnica Independente (ATI) do Degredo, ao coordenador da Câmara Técnica Indígena e Povos e Comunidades Tradicionais (CT-IPCT), Jarbas Vieira. Segundo a denúncia, a recomendação para uso do filtro consta na cartilha que integra um "curso de gerenciamento de recursos hídricos" executado pela empresa ERG, contratada pela Renova para realizar atividades de dois programas no território do Degredo: educação ambiental e práticas pedagógicas de educação popular.

A associação é responsável pelo acompanhamento técnico da execução do Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ), que compreende diversos programas de reparação e compensação dos danos decorrentes do crime no território. O relato enviado à Câmara Técnica, afirma a entidade, "evidencia a falta de comprometimento da Fundação Renova" com a execução eficaz do plano.

O plano de trabalho para esses dois programas, apresentado pela ERG, relata a associação de Degredo, foi aprovado com ressalvas em plenária conjunta com a Comissão Quilombola do Degredo, pois foi vetada a proposta da ERG de construir cisternas na comunidade.

A contaminação da água é grave no Degredo, ainda assim, a Renova chegou a ameaçar cortar o abastecimento de água potável, o que foi proibido pela Justiça Federal. Em agosto de 2022, o Tribunal Regional Federal (TRF-1) determinou a continuidade do abastecimento. Hoje, cada morador recebe 15 litros de água mineral por dia, para beber, cozinhar, tomar banho e lavar louças, entre outras atividades essenciais.

A proposta de cisternas, vetada pela comunidade, e agora de uso de filtro caseiro, caminham no sentido de desresponsabilizar a Renova pelo abastecimento de água da comunidade, no entendimento da associação de Degredo.

"Ao falar em 'tratamento das águas' e sinalizar a possibilidade da utilização de 'filtros' para filtragem da água para consumo humano, a ERG traz informações inadequadas para população que sofre há anos com a crise hídrica das suas fontes de água e enfrenta a necessidade de uso de água mineral. Lembrando que a Vigilância em Saúde do município de Linhares orientou a comunidade sobre a não utilização da água dos poços artesianos, pois podem causar prejuízo à saúde das pessoas, não sendo possível utilizar métodos de filtragens comuns, tendo em vista que a água de Degredo é imprópria para o consumo humano", explica.

Outro ponto, prossegue o relatório, é sobre as "Dicas de Economia para o nosso dia a dia". Conforme ressalta a associação, "a comunidade recebe, por obrigação judicial, 15 litros de água por dia, por pessoa, e com certeza a população de Degredo não precisa de 'dicas' para o uso 'consciente' da água. O conteúdo da cartilha não atende às especificidades de uma comunidade de zona rural, quilombola e atingida por desastre".

O programa de Educação Ambiental, acrescenta, tem outros pontos que destoam das necessidades da comunidade. "A empresa tem realizado outras atividades relacionadas com Educação Ambiental, as quais se revelam problemáticas para uma comunidade quilombola que não é responsável pela devastação ambiental e pela contaminação de seu território, e que, mesmo assim, tem buscado participar das oficinas para aprender e fortalecer seus conhecimentos com o conteúdo apresentado na Formação de Agentes de Desenvolvimento Local, Prevenção de Queimadas e Destinação Adequada de Resíduos Sólidos. No entanto, o referido curso sobre Gerenciamento em Recursos Hídricos trouxe um conteúdo e proposta de ações práticas que resultaram afrontosas para a comunidade".

Além do filtro, o curso propôs que os moradores construam caixas d'água, com recursos e mão de obra próprias, tendo sido aplicado um questionário para avaliar os critérios para a construção. "A lista de critérios a serem cumpridos para ter a instalação exigiria um custo muito alto para a comunidade de tempo, dinheiro, espaço e dedicação para 'receber' a instalação da caixa".

A Assessoria Técnica Independente (ATI) relata que a Comissão Quilombola do Degredo pediu a suspensão imediata da continuidade do curso, porém, não foi atendida. "A Fundação Renova e a executora ERG decidiram por manter a realização da oficina, sob o argumento que 'as atividades são essencialmente teóricas, com a temática central Ciclo da Água e Recursos Hídricos, onde apenas um dos tópicos aborda de maneira teórica a metodologia de construção das caixas d'água. Como essa capacitação não envolve a prática direta da construção das caixas d'agua e por respeito à comunidade e aos profissionais que já estão mobilizados, contamos com a compreensão desta comissão para não suspender essas atividades (20 a 22 de março)'".

Diante da negativa, a ATI pediu que a empresa se retratasse, no dia seguinte, com a comunidade. "Foi reforçado que não pode haver nenhum custo sobre os comunitários para execução de obras e atividades do PBAQ, pois estamos diante de um processo de reparação. Não há possibilidade de os atingidos serem revitimizados constantemente e ainda terem que arcar com a própria reparação. Durante o decorrer do curso, foi constatado também que a cartilha que acompanha esta atividade trouxe elementos problemáticos e desinformativos que causaram confusão e podem trazer risco à saúde dos comunitários", enfatizou.

Os problemas de desinformação, no entanto, não cessaram. "Mesmo com a retratação, que precisou ser reforçada horas depois diante da chegada de mais comunitários, a empresa continuou com o tema água e reconhecimento territorial, o qual, junto com a cartilha, se tornou um assunto que a comunidade não viu o sentido e fez diversos questionamentos. Comunitários e comunitárias, desde o primeiro dia, tinham manifestado seu descontentamento com o conteúdo do curso", prossegue a denúncia.

Ao coordenador da Câmara Técnica, a associação e a Comissão Quilombola cobram que sejam recolhidas as cartilhas, "pela desinformação contida em relação ao uso dos recursos hídricos e pelo iminente risco promovido pela empresa executora para os comunitários de Degredo" e também que parte da oficina realizada, com base na cartilha, não seja considerada como cumprimento de plano de trabalho.

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