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Entidades jurídicas voltam a contestar projeto em nova audiência pública

A nova audiência pública sobre a securitização, realizada na manhã desta quinta-feira (14) na Câmara de Vitória, mostrou ao prefeito Luciano Rezende (PPS) que ele ainda terá um bom caminho a percorrer até a aprovação do projeto. Os vereadores Davi Esmael (PSB) e Luiz Emanuel Zouain (PSDB), a princípio favoráveis à proposta, pediram que a prefeitura recue. O debate não logrou dissipar as dúvidas na Câmara quanto à legalidade do projeto, levantadas na audiência pública do dia 4.
 
Resultado: para o objetivo da prefeitura, retomar o trâmite do projeto e submetê-lo à votação, a audiência não representou avanço. O que ficou desta audiência, proposta por Fabrício Gandini (PPS), foi a necessidade de submetê-lo, sim, a mais debates.
 
Ao final, Davi Esmael, que solicitara à seção capixaba da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) uma reunião entre a entidade e os vereadores para sanar dúvidas, afirmou: “Confortavelmente, não tem condição de votação, talvez no mês de maio inteiro”. Pouco depois, Zouain diria: “Não votarei sob insegurança jurídica. Se tivesse que votar isso hoje, votaria contra. Acho razoável que prefeitura recue. Acredito piamente na sensatez política do prefeito Luciano Rezende”.   
 
As primeiras falas da audiência foram do secretário municipal da Fazenda Alberto Borges e do procurador-geral do município, Rubem Francisco de Jesus, que, naturalmente, defenderam o projeto do Executivo municipal.
 
Borges destacou atuais expedientes de cobrança da prefeitura, como o Programa de Recuperação Fiscal (Refis) e o protesto. Este, comemorou, atingiu uma taxa de retorno de 33%, ou seja, um terço dos títulos protestados tem sido pagos pelos contribuintes. Mas tais meios de complementares de cobrança não se mostram suficientes para cobrir a queda de receita verificada nos últimos anos.
 
“A queda no gasto tem que ser enfrentada com criatividade, com redução de gasto e criação de novas fontes”, disse, entrando no tema da securitização, a nova fonte de captação de recursos almejada pela prefeitura. “A securitização é a criação de um fundo para o qual vai ser cedido o estoque da dívida e dos fluxos mensais resultante desse estoque”, explicou. Esse estoque de Vitória, hoje, é de R$ 1,4 bilhão, explicou. “Em hipótese nenhuma a cobrança desse fluxo será transferida para terceiros. Não se trata de cessão”.
 
O projeto prevê a unificação de todas as dívidas dos contribuintes em um Fundo Especial de Créditos Inadimplidos e da Dívida Ativa, que poderão ser repassados a uma instituição financeira por uma fração desse valor. Passivos financeiros inscritos em dívida ativa serão transformados em títulos negociáveis no mercado financeiro. Borges destacou depois que a empresa será escolhida por licitação e vai operar uma análise de risco de todo ativo, para dar segurança aos investidores. 
 
Rubem de Jesus classificou a questão como “desafiadora”. “Se esse estoque [de dívida ativa] vai crescendo, vai comprometendo a gestão, porque as demandas não param de crescer. Como resolver essa questão? O estoque vai crescendo e parte da dívida vai se deteriorando”, disse, uma vez que o município e o judiciário não têm estrutura para a cobrança eficiente. 
 
A seguir, defendeu o projeto de securitização, para abrandar os cofres do município. Como comparação, lembrou que o hoje eficiente mecanismo de protesto consumiu 15 anos de debate. “O protesto teve ação do Ministério Público Estadual e hoje todo mundo aplaude. Com a securitização será o mesmo. Estou discutindo teses, são ideias”. 
 
Por fim, tocou nos pontos mais controversos. Segundo ele, o projeto não prevê a terceirização de cobrança, uma vez que esta permanece a cargo da Procuradoria-Geral do Município (PGM); não há operação de crédito, o ponto de maior discussão – “o poder público não vai assumir compromisso de pagamento futuro”, explicou. Os repasses constitucionais para saúde e educação serão preservados. 
 
O presidente da OAB-ES, Homero Mafra, também comentou a proposta. Primeiro, elogiou o gesto da discussão “num estado em que as leis são aprovadas muitas vezes de afogadilho”, elogio estendido aos vereadores e ao prefeito. No entanto, frisou que as apresentações não sanaram suas dúvidas quanto à legalidade do projeto. “Há duvidas do aspecto financeiro, do aspecto jurídico e até do aspecto político, na medida em que posso comprometer um fluxo de receitas além do meu mandato”.
 
Concordou com a importância de se criar mecanismos novos de captação de receitas na situação em que se encontram os municípios. Mas a segurança jurídica não pode ser desconsiderada. “Se o projeto, ainda que interessante do ponto de vista econômico-financeiro, for ruim do ponto de vista jurídico, a ordem se manifestará contra o projeto”, enfatizou. 
 
O contraponto mais consistente ao projeto de securitização partiu de Santuzza da Costa Pereira, presidente da Associação dos Procuradores do Estado do Espírito Santo (Apes).  
 
“Acho que aqui estou em um contraponto. Vocês veem pela minha fala que eu me coloco frontalmente contrária a esse mecanismo. Ele é confuso, complicado e traz prejuízo ao gesto. Na realidade ele é, sim, uma operação de crédito por interposse da pessoa. Todas as vezes que a pessoa recebe uma antecipação do recurso e não tem um lastro inicial para depor aquele recurso, eu não tenho condição de dizer que não seja outra coisa a não ser operação de crédito. Porque vou ter que pagar futuramente isso”. 
 
Explicou que, o município está diante de uma dívida de milhões e essa dívida é simplesmente escritural, sem lastro, ou seja, somente financeira, ela não vai satisfazer na instituição financeira. “Ela ali não vai se transformar em título líquido nunca. Se é assim, quem é o garantidor? É o município. Isso é claro”. 
 
As consequências, disse, vêm para o gestor presente, que antecipa-se em receita, para o gestor futuro, que não tem mais a receita antecipada, mas mesmo assim tem que pagar o custo dessa operação, que é alto. “E aí eu pergunto: e cadê o dinheiro, o título? O título tem o valor financeiro, mas não real. Então, se parto do pressuposto que estou com titulo bom, não tenho que falar em securitização, porque se esta vem da dificuldade de recebimento, eu esto falando de título ruim, de título podre”. 
 
Outro ponto abordado é que, quando se fala em questões de crédito, a legislação determina que o município tenha uma dívida consolidada, que tem que ser real, escriturada, determinada. “Eu dei uma olhadinha no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias que está chegando para vocês e fui ao anexo de riscos fiscais: não apresenta nenhum desenvolvimento das atividades de dívidas tributarias do município e quais os procedimentos para que o município resgate esses títulos”.
 
O representante da Associação da Advocacia Geral da União, Dalton Santos Morais, também considera o projeto da prefeitura uma operação de crédito. “Se você antecipa receita, através de uma operação contratual-administrativa com uma instituição financeira, que, pelo projeto que me foi encaminhado, irá receber encargos contratuais para fazer toda essa gestão, e que vai emitir uma debênture no mercado para antecipar essa receita, com todo o respeito, se isso não é operação de crédito, eu não sei o quê que é”. 
 
“Se há uma instituição financeira envolvida, custeada com encargos financeiros que o investidor vai pagar, e se existe um dispositivo no projeto de lei dizendo que, se por algum imprevisto houver a cessão do fluxo de ativos para a empresa contratada, isso vai importar na necessidade de devolução pelo município de Vitória dos valores que foram recebidos pelo fundo, acrescido de encargos contratuais relacionados com essa operação, eu sinceramente não sei mais o que é operação de crédito”, disse.
 
Finalizou defendendo o trabalho da advocacia pública, isto é, o que chamou de aparelhamento digno da procuradoria municipal: “Muitas vezes, pessoal, não adianta reinventar a roda, mas aperfeiçoar a roda que existe”.
 
Ao final, falaram os vereadores. Ao seu estilo, Zezito ironizou o procurador-geral do município: “Professor Rubem, com todo o respeito que tenho a vossa excelência, mas para mim, isso é operação de crédito. Não dá para trocar 200 quilos de badejo por um de sardinha”. 
 
O líder do governo Rogerinho Pinheiro se valeu do maniqueísmo ingênuo para defender o projeto. “Tem alguém aqui torcendo contra Vitória? Há de se entender que todos nós queremos um único rumo, que é o melhor para a cidade. O que me parece nessa questão é que tem pessoas com interesse contrário ao caminho que leva para uma cidade melhor”.  
 
Como dito, Davi e Zouain defenderam novos debates. Crítico assumido do projeto, Ronaldo Bolão (PT) levantou uma série de questões. Gandini, claro, defendeu a securitização: “Não é uma antecipação de receitas, é uma recuperação de receitas. Esse R$ 1,4 bilhão já era para estar no caixa do município”. 

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