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Turbulência à vista

O promotor de Justiça Luiz Alberto Nascimento decidiu reabrir a “caixa-preta” referente aos voos da primeira-dama Cristina Gomes para o Rio de Janeiro e São Paulo com dinheiro público. 
 
As denúncias surgiram durante a campanha eleitoral de 2014. À ocasião, o então candidato ao governo Renato Casagrande (PSB) interpelou seu adversário. Queria saber por que a primeira-dama precisou viajar mais de 80 vezes à Cidade Maravilhosa e à Terra da Garoa. Seriam viagens particulares financiadas com dinheiro público?
 
Hartung venceu a eleição sem esclarecer o motivo das misteriosas viagens. Em vez de explicar, preferiu se indignar. Classificou a estratégia do rival de envolver sua família na campanha como um golpe baixo, mesquinho. Ora, mas usar dinheiro público para fins aparentemente pessoais requer, sim, explicações. Afinal, quem pagou a conta foi o contribuinte, que merece todas as explicações.
 
O estudante de Direito Renato Aguiar Silva, pelo menos, entendeu que o casal devia explicações à sociedade. Ele decidiu mover uma ação popular para pôr tudo a pratos limpo. A ação bateu na Justiça, mas foi rapidamente arquivada. O juiz acatou as mesmas explicações evasivas que Hartung havia dado durante a campanha. O magistrado julgou, por bem, dar um ponto final à polêmica. 
 
O que o juiz não imaginava, tampouco o casal, é que o caso seria “ressuscitado”. O promotor Luiz Alberto Nascimento, é importante guardar esse nome, não concordou com o arquivamento sumário da ação, mesmo porque o juiz engavetou a denúncia sem antes ouvir o parquet, como manda o figurino. “O problema, portanto, não é o julgamento antecipado da ação, mas a falta de intimação do Ministério Público, seja para se manifestar sobre eventuais provas que entendesse pertinente, seja para emitir parecer sobre o mérito da lide”, argumentou o promotor.
 
Atropelado pela Justiça, restou a Nascimento recorrer da decisão que absolveu o governador Paulo Hartung e sua mulher, Cristina Gomes, em razão das viagens feitas com verbas públicas entre 2005 e 2010. A promotoria, convencida que há muito a esclarecer, pediu a nulidade da decisão do juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual, de junho de 2015. Caso a questão não seja acolhida, o órgão ministerial quer a condenação do casal ao ressarcimento do prejuízo ao erário, estimado em mais de R$ 83 mil.
 
O juiz Jorge Henrique Valle dos Santos, hoje desembargador do TJES, acolhendo o argumento da defesa, entendeu que as viagens da primeira-dama tinham “iminente interesse público envolvido”. A defesa quis exaltar a iniciativa benevolente da primeira-dama, que assumiu voluntariamente a coordenação do projeto do Cais das Artes. Como se a iniciativa altruísta da primeira-dama por si só bastasse para justificar os gastos aparentemente feitos em desacordo com as leis.
 
Para o promotor, porém, não ficou comprovado que as viagens atendiam a interesses públicos ou tivessem correlação com as atividades inerentes ao exercício do cargo, gerando, assim, dano ao erário, enriquecimento injustificado, além de gravame aos princípios que regem a administração pública.
 
Ao contrário do juiz, o promotor não ficou satisfeito com as justificativas apresentadas pela defesa do casal, que não se deu ao trabalho de juntar aos autos um único documento capaz de comprovar que a primeira-dama era coordenadora do projeto Cais das Artes. 
 
As provas apresentadas pela defesa se restringiram a um mosaico de recortes de jornais clipados da imprensa corporativa. Material que o promotor parece não ter engolido. “(…) muitas vezes notícias são veiculadas sem qualquer respaldo documental que atestem sua veracidade, não devem ser admitidas como meio de prova absoluta. Devem ser consideradas provas tão somente se acompanhadas de outros documentos que atestem ser seu conteúdo verídico”, argumentou.
 
Na verdade, o promotor deve ter sentido falta de documentos que comprovassem os gastos com as viagens e hospedagens da primeira-dama, que poderiam esclarecer se as despesas foram ou não legais. 
“Frisa-se, nada foi esclarecido e tampouco comprovado pelos recorridos. A ausência total e absoluta da indicação do objetivo das referidas viagens fere o princípio da transparência, que é um dos mais importantes, além de ferir o princípio da economicidade, que estabelece somente se justificar uma despesa pública quando efetivamente necessária”, apontou Nascimento.
 
O promotor, ao mexer no caso, mostrou que nem o governador está acima da lei quando a denúncia suscita que houve mau uso do dinheiro público. 
 
O governador que tem reivindicado para si o papel de Inimigo Número 1 da Corrupção tem o dever de prestar contas à população sobre o caso das viagens da primeira-dama. Poderia aproveitar o embalo para explicar também por que motivo omitiu da Justiça Eleitoral uma mansão em Pedra Azul. Seria oportuno ainda apresentar as contas da Éconos. Afinal, a consultoria administrada em sociedade com seu ex-secretário de Fazenda, José Teófilo,  firmou contratos milionários com empresas que operavam com o governo.

 

Em tempos de Lava Jato, todo agente público tem a obrigação moral de lidar com a coisa pública com total transparência. A sociedade não tolera mais o silêncio como resposta.

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