Os menores valores de medição da poeira sedimentável (que inclui o pó preto) para o mês de dezembro, em toda a série histórica, iniciada em 2009, foram registrados em 2017, em todas as dez estações que formam a Rede Automática de Monitoramento da Qualidade do Ar (RAMQAr) do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Sem qualquer medida de redução da poluição do ar implementada no período, a Juntos SOS ES Ambiental cobra respostas do Poder Público, colocando em xeque a credibilidade do monitoramento.
Em denúncia registrada no site da autarquia, a entidade solicita, mais uma vez, informações técnicas sobre o processo de medição da poeira sedimentável na Grande Vitória: “Quem mediu os valores de poeira sedimentável em 2017? Quem validou os valores medidos pela empresa terceirizada? Quem auditou a empresa terceirizada, quantas auditorias foram realizadas nestes anos de terceirização da medição da poeira sedimentável?”, inquire a entidade.
Os questionamentos são feitos acompanhados de uma tabela comparativa da série histórica do mês de dezembro, em que a medição não foi feita em dois anos, 2013 e 2016, sendo que esta última ausência foi, na verdade, de nove meses seguidos, sob a justificativa de problemas burocráticos na contratação da empresa que daria continuidade ao trabalho, após encerrado contrato com a empresa anterior.
Na época, vários vereadores da Grande Vitória chegaram a protocolar requerimentos ao Iema para o retorno do monitoramento, o que só viria a acontecer em abril de 2017, quando foram registrados os menores valores de toda a série histórica, na maioria das estações, fenômeno que também foi questionado pela Juntos.
Na tabela comparativa dos meses de dezembro, é possível ver uma redução brutal em 2017, em todos os pontos monitorados: Na estação localizada no Hospital Dório Silva, em Laranjeiras/Serra, por exemplo, dezembro de 2017 apresentou o valor de 3,36 g/m²/30 dias. Bem abaixo de todos os outros anos, quando os valores oscilaram entre 9,40 (ano de 2014) e 15,10 (ano de 2010).
Na estação da ArcelorMittal Tubarão, em Carapina/Serra, dezembro de 2017 ficou em 2,14, sendo que a série histórica variou entre 3,92 (2012) e 9,30 (2015). Na Unidade de Saúde de Jardim Camburi/Vitória os valores foram: 3,33 (2017), 6,77 (2009) e 14,50 (2015). Corpo de Bombeiros/Enseada do Suá/Vitória: 9,66 (2017), 12,00 (2011) e 16,10 (2015). Ministério da Fazenda/Centro de Vitória: 4,00 (2017), 7,66 (2012) e 18,77 (2009). 4º Batalhão Polícia Militar/Ibes/Vila Velha: 5,02 (2017), 10,92 (2009) e 13,70 (2015). Colégio Marista/Centro Vila Velha: 4,14 (2017), 6,90 (2011) e 10,90 (2014). Ceasa/Vila Capixaba/Cariacica: 6,17 (2017), 9,28 (2009) e 13,40 (2015). Clube Ítalo Brasileiro/Ilha do Boi/Vitória: 3,08. Entre 6,30 (2015) e 10,98 (2009). E Hotel Senac/Ilha do Boi/Vitória: 1,93 (2017), 8,00 (2014) e 15,20 (2010) – esta, uma das estações onde o contraste entre o ano de 2017 e o ano até então com o menor valor registrado, foi uma das mais gritantes.
Chama atenção também o fato de em vários momentos, os valores ultrapassaram o padrão legal estabelecido pelo Decreto nº 3463-R de 16/12/2013 em 14g/m²/30 dias, sendo que nenhuma medida de investigação e punição dos responsáveis foi tomada pelo Iema.
Perguntas sem resposta
Em um desses momentos, em agosto de 2017, a estação da Enseada do Suá registrou o valor de 16,5g/m². “Quais as fontes que contribuíram para esse aumento da poluição e quais providências foram tomadas pelos órgãos ambientais?”, perguntou a ONG ao Iema e à Secretária Municipal de Meio Ambiente de Vitória (Semmam). Novamente, perguntas sem respostas.
Outra variação “misteriosa” aconteceu em novembro de 2017, quando a somatória dos valores das dez estações (40,45 gramas por metro quadrado em trinta dias) só ficou menor que a somatória de abril (17,4 g/m²/30dias), mês onde a primeira medição inexplicável foi questionada pela Juntos SOS, depois de nove meses sem monitoramento.
Outro aspecto que desqualifica o monitoramento do Iema, destaca a entidade, é o fato de os valores estabelecidos no decreto estadual estarem defasados, apesar de o mesmo determinar que, a partir de 2013, quando a normativa foi publicada, os valores iriam ser reduzidos gradativamente, aproximando-se dos padrões internacionais.
Em junho de 2017, em entrevista a este Século Diário, o médico alergista José Carlos Perini, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia, afirmou que os padrões brasileiros – estabelecidos pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) em 1998 –, que embasam os padrões definidos no Espírito Santo, são até sete vezes maiores do que os apregoados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), sendo que a própria OMS considera que a poluição que ficar abaixo dos padrões que ela estabelece, ainda assim, são passíveis de causar dano à população.
Situação da Grande Vitória é única no mundo
O caso da Grande Vitória, enfatiza o médico, é ainda mais preocupante, pois “não há nenhum lugar no mundo em que haja um complexo que gera 600 milhões de toneladas de manejo dentro de uma microcomunidade como a nossa! Não existe nenhum parâmetro no mundo”, diz.
A poeira sedimentável, que inclui o pó preto, provoca problemas no sistema respiratório e no coração, explica o alergista. “Essa partícula é tão pequena que ela passa para a corrente sanguínea e ela forma como uma adjuvante na corrente sanguínea, agregando células e formando trombos, formando coágulos, que podem causar infartos. Tanto que há um aumento do infarto do miocárdio na região de Vitória que é acima da média de outras cidades brasileiras”, explica.
Sobre os efeitos que a exposição a longo prazo ao pó preto pode provocar na saúde da população, o médico explica que haverá uma população mais doente, porque as doenças pulmonares são cumulativas, provocam um remodelamento do pulmão e, com isso, um aumento das chamadas doenças pulmonares obstrutivas crônicas e um maior número de cardiopatias. “Se o pó preto vai trazer consequências para o futuro, vai! O quanto exatamente e quais ainda é uma incógnita”, alerta.