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Água do Rio Doce: rejeitos de minérios e muito, muito agrotóxico

Dos oito agrotóxicos mais usados na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, três – glifosato, 2,4D e Mancozeb – não tiveram seus resíduos analisados pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) e um – Paraquate – está proibido na União Europeia. Os dados são inéditos e foram produzidos pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Fórum Espírito Santense de Combate ao Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos (Fresciat), a partir da sistematização dos relatórios de vendas de agrotóxicos enviados pelas lojas especializadas ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf). 

A legislação obriga o envio desses relatórios a cada seis meses, mas a autarquia não tem feito a sistematização desses dados brutos, trabalho que o Fórum tem realizado com objetivo de subsidiar políticas públicas que, efetivamente, reduzam o uso de agrotóxicos no território capixaba, minimizando os impactos na saúde humana e ambiental. O Fórum acaba de concluir a sistematização desses dados brutos relativos ao primeiro semestre de 2018, período que foi disponibilizado pelo Idaf, para cada uma das 16 bacias hidrográficas, além de um apanhado geral do Estado. 

No caso da Bacia do Rio Doce, tão castigada pelos rejeitos de mineração que vazaram da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP em Mariana/MG, tem no topo da lista de venenos agrícolas o Glifosato e o 2,4D, com 320 mil e 48 mil quilos vendidos no período, respectivamente, equivalente a 38% e 27% do total comercializado no Estado. Em seguida estão óleo mineral, Clorpirifós, Xilol e Flutriafol, seguidos do Mancozeb (22 mil kg) e Paraquate (19 mil kg). 

“Desde 2014, o Estado não realiza a análise de resíduos de glifosato, do 2,4D e do Macozeb na água potável fornecida à população”, repudia o engenheiro agrônomo Edegar Formentini, representante da Associação dos Servidores do Incaper (Assin) na Comissão, e responsável pelo levantamento. O pesquisador lembra ainda que a legislação brasileira, seguida pelo governo do Estado, permite um número de resíduos de glifosato cinco mil vezes superior que a União Europeia, e resíduos de 2,4D 300 vezes maior. 

O glifosato é o herbicida mais vendido no Brasil e um dos mais vendidos no mundo, acumulando danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas há 40 anos. É utilizado em praticamente todas as principais culturas agrícolas e também no meio urbano, para “capina química” em ruas e quintais. Mata todas as plantas que toca, por isso sua aplicação é localizada, apenas sobre as ervas que se quer exterminar, muitas vezes, sendo pulverizado antes do plantio da cultura comercial. 

O também herbicida 2,4D é usado mais em pastagens, porque não mata folhas estreitas, somente folhas largas. O Mancozeb, por sua vez, é um fungicida encontrado em vários produtos comerciais para controle de doenças de várias espécies, principalmente hortaliças. Já o Paraquate tem aplicação semelhante à do glifosato, pois é um herbicida que também extermina todas as plantas que toca, e de forma ainda mais rápida que o famoso glifosato, queimando as folhas em menos de vinte e quatro horas. É também mais perigoso para a saúde, levando a problemas respiratórios fulminantes em caso de intoxicação aguda por parte de quem o aplica na lavoura. 

Racionalizar o uso

Para Edegar, solucionar o grave problema da contaminação ambiental e humana com agrotóxicos no Espírito Santo passa pelo levantamento de dados sobre a realidade capixaba, pelo desenvolvimento de pesquisa e aplicação de tecnologias mais modernas, e pelo cumprimento da legislação. 

“Existem muitas soluções. A pesquisa é fundamental pra desenvolver tecnologias que demandem menos veneno, de variedades mais resistentes às chamadas pragas, de sistemas de produção que beneficiem as plantas, tornando-as mais resistente”, opina. 

É preciso focar em racionalização do uso, ressalta o agrônomo, especialista em agroecologia. “Só utilizar os agrotóxicos quando precisa mesmo”, enfatiza. E, para isso, a extensão rural é fundamental. “Não sou expert em agrotóxico, mas mesmo não sendo, consigo perceber muitas incoerências que precisam ser corrigidas. O nível de conhecimento que existe hoje já permite uma racionalização do uso que diminuiria em pelo menos 40% o uso atual de agrotóxicos”, incentiva. 

Cultura do veneno imposta pelo mercado

O glifosato e o paraquate também foram destacados pela Profa. Dra. Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo (USP) em uma apresentação feita no último mês de dezembro no Parlamento Europeu, em uma conferência sobre ambiente, agricultura e trabalho no Âmbito do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia (UE). 

O glifosato, por ser o agrotóxico mais consumido no país, apesar de sua alta toxidade, representando 35,5% de todo o volume de venenos comercializados no país. E o paraquate por ser um dos três venenos proibidos na União Europeia que têm elevada utilização no território brasileiro. O paraquate está associado ao Mal de Parkinson e os demais, Acefato e Atrazina, por serem respectivamente, neurotóxico e disruptor endócrino. 

Larissa é autora do Atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, onde ao longo de quase 300 páginas, são evidenciados os alarmantes números dos venenos agrícolas despejados nas principais culturas que ocupam o território brasileiro. Numa das sínteses do livro, a pesquisadora mostra que o Brasil consome cerca de 20% de todo o agrotóxico comercializado mundialmente, consumo que tem aumentado de forma muito significativa nos últimos anos, tendo saltado de 170 mil toneladas no ano de 2000 para 500 mil toneladas de ingrediente ativo em 2014, um aumento de 135% em um período de 15 anos. 

No Parlamento Europeu, Larissa criticou o acordo vigente atualmente entre o Mercosul e a UE, esta, o segundo maior parceiro comercial dos países da América do Sul, sendo o primeiro a China e o terceiro os Estados Unidos. “É uma relação absolutamente desigual”, bradou. “Cada vez mais os países do Mercosul se caracterizam como países que exportam basicamente minérios e produtos de origem agropecuária e importam produtos industrializados da União Europeia”, expôs. 

O principal produto que o Mercosul exporta é o farelo de soja. Foram US$ 5,7 bilhões de farelo de soja exportados para a Europa em 2018, sendo que, para cada dólar exportado pelo Mercosul em farelo de soja pra a União Europeia, dois dólares foram importados em produtos industrializados, especialmente maquinários e equipamentos. 

“O Mercosul e o Brasil exportam commodities e agroenergia, biocombustíveis”. E com isso, relacionou a acadêmica, tem diminuído a produção de alimentos básicos, como arroz, feijão e mandioca, afetado drasticamente a segurança alimentar de suas populações. 

Esses produtos exportados usam muitos pesticidas. Muitos deles, alerta Larissa, produzidos por empresas com sede em países da UE, que, no entanto, proíbem em seus territórios essas substâncias que são vendidas no Brasil e outros membros do Mercosul. “Há uma enorme contradição nesse comércio”, exasperou. 

Os números dessa contradição são alarmantes, seja qual for a unidade de referência analisada: toneladas, dólares ou hectares. Atendo-se aos dados sistematizados no Atlas, Larissa Bombardi apresentou alguns exemplos ao Parlamento Europeu.

O Brasil tem o equivalente ao território de três Bélgicas plantado exclusivamente com monocultivos de eucalipto, quatro Bélgicas com cana-de-açúcar e onze Bélgicas com soja. Somando as três monoculturas, tem-se o equivalente a uma Alemanha e meia. 

A área de cultivo de soja, especialmente, tem aumentado muito nas bordas da região amazônica, onde as áreas de cultivo de alimentos básicos são reduzidas seguidamente, ano após ano. E com isso, cresce o consumo de venenos. “O uso massivo de agrotóxicos aumentou em 25% nos últimos cinco anos. Que mercado no mundo tem crescido tanto?”, provocou.

Intoxicações crescentes 

Esse crescimento também tem impacto direto na saúde das pessoas. Segundo dados oficiais, mais de 40 mil pessoas foram intoxicadas por agrotóxicos entre 2007 e 2017, o que equivale a mais de vinte pessoas intoxicadas por dia. Considerando que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cada caso registrado esconde outros 50 não contabilizados, são quase dois milhões de intoxicações nesse período, 148 mortes por ano, uma morte a cada dois dias e meio. 

Assusta também o número de bebês, de zero a doze meses, intoxicados no Brasil. foram 514 segundo os dados oficiais, entre 2007 e 2017, ou, cerca de 25 mil bebês, aplicada a estimativa da OMS. “Uma violência silenciosa”, diz. 

Finalizando sua apresentação, a especialista enfatizou que a relação entre o Mercosul e a União Europeia é “complexa e extremamente assimétrica”. “Esse acordo [que está sendo atualmente discutido entre os países dos dois blocos] pode vir a reforçar mais essas assimetrias”. 

As pesquisas são importantes, os estudos feitos nas universidades são fundamentais, ressaltou a acadêmica, pois “podem revelar de forma inequívoca essa realidade e os impactos socioambientais [advindos] do modo como a economia se organiza e como o Mercosul se insere nessa organização mundial”. 

 

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