Socióloga e educadora ambiental, a ambientalista Dalva Ringuier é uma das maiores conhecedoras da realidade socioambiental da região do Caparaó capixaba. Proprietária de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) na zona de amortecimento do Parque Nacional do Caparaó e ex-secretária-executiva do Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento Sustentável do Caparaó (Consórcio Caparaó), Dalva admite estar muito preocupada com os recentes anúncios feitos pela Suzano (ex-Aracruz Celulose e ex-Fibria), de implantar uma fábrica de papel higiênico em Cachoeiro de Itapemirim e expandir os plantios de eucalipto no Estado, visando, obviamente, os arredores do município, em todo o sul do Estado.
A região, enfatiza Dalva Ringuier, precisa ampliar sua cobertura de Mata Atlântica, para, entre outras necessidades, aumentar a oferta de água. A cobertura florestal da Bacia Hidrográfica do Rio Itapemirim, informa a ambientalista, está em torno de 10% e o rio Itapemirim perdeu, nos últimos quinze anos, 80 centímetros de sua lâmina d´água, segundo as medições feitas em sua calha principal, na altura de Cachoeiro.
A cobertura florestal aumentou um pouco nos últimos anos, devido à regeneração promovida em áreas de parques, como o Caparaó e Cachoeira da Fumaça, além de RPPNs. Mas não é suficiente para garantir a segurança hídrica necessária.
“Não temos floresta suficiente. Precisamos de várias medidas para recuperar os rios da região, mas a principal é aumentar a cobertura de mata nativa”, assevera, com a certeza que lhe garantem as décadas de trabalho e militância socioambiental, especialmente nas bacias do Itapemirim e Itabapoana, que nascem na Serra do Caparaó, considerada a maior caixa d´água do Espírito Santo.
“Querem fazer no sul do Estado o que já fizeram no norte e noroeste”, adverte. “Lá já não tem água mais nem no subsolo”, diz. De fato, a bacia do Rio Itaúnas, uma das mais afetadas pelas monoculturas de eucalipto implantadas pela Aracruz Celulose (hoje Suzano) há meio século, tem a menor cobertura florestal do Espírito Santo e déficit hídrico em quase toda a sua extensão. Triste realidade que os dados oficiais mostram, década após década, tendo sido sistematizados para a elaboração do Plano da Bacia Hidrográfica do Rio Itaúnas, lançado há um ano, juntamente com os planos das demais bacias do Estado.
Todo o território acima do Rio Doce, na verdade, sofre intensamente com os impactos dos monocultivos de eucalipto, pois concentra a esmagadora maior parte dos mais de 300 mil hectares de deserto verde que assolam o Espírito Santo.
O plantio de eucalipto é o uso do solo que mais cresceu no Espírito Santo entre 2007 e 2015, período analisado pelo Atlas da Mata Atlântica do Espírito Santo, lançado em junho de 2018. Nesses oito anos, “a eucaliptocultura passou de 5,8% (2007/2008) para 6,8% (2012/2015), o que representa um aumento efetivo de 45.341,9 ha”, informa a publicação.
No mapa do Estado, é possível visualizar a concentração maior de eucaliptais nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, no norte, havendo apenas pequenas manchas espaçadas no sul. Até o momento, os plantios de eucalipto feitos no sul não lograram muito êxito devido basicamente à distância em relação à fábrica de Aracruz, o que torna o frete mais caro que a carga. Com a implantação da fábrica em Cachoeiro, é bem provável que haja “uma correria pra plantar eucalipto”, vislumbra Dalva Ringuier.
O cultivo já existe em áreas sensíveis, de forma irregular, denuncia a rppnista. Cabeceiras das bacias hidrográficas, Áreas de Preservação Permanente (APPs), zona de amortecimento dos parques, beiras de estrada. A possível nova “corrida pelo eucalipto” pode trazer consequências terríveis, repetindo o roteiro que devasta o norte.
“Sem floresta não tem infiltração de água de chuva no solo”, lembra a educadora ambiental. “Nossa preocupação é com a biodiversidade, pois onde se planta uma única espécie, ainda mais sendo invasora, ela não produz ambiente adequado pra que a biodiversidade sobreviva”, explica. “As monoculturas de eucalipto não garantem infiltração da água da chuva no solo. É uma planta que cresce muito rápido e depende de muita água pra crescer rápido”, expõe.
Outra questão é social, diz. “É um plantio que não agrega o social na zona rural, principalmente porque só exige mão de obra quando planta e quando colhe. Durante o ciclo de crescimento, praticamente não exige mão de obra nenhuma, então ela faz a exclusão social principalmente na zona rural“, alerta, salientando que é defensora de que “toda propriedade rural tenha uma ‘moita de eucalipto’ como se diz no dito popular, pra abastecer as necessidades básicas da propriedade”. “É claro que a empresa deve gerar, na sede, muitos empregos, mas pra gerar empregos ela vai ter que ter lucro e pra ter lucro ela vai ter que produzir muito, então essa é nossa preocupação”, explana.
Investimento bilionário
Segundo divulgado pela Suzano e pelo governo do Estado, o investimento da multinacional no Espírito Santo em 2020 será de R$ 933,4 milhões, em três projetos: construção de uma unidade de conversão de papel higiênico (papel tissue) a ser instalada no sul do estado, retrofit na unidade fabril de Aracruz e expansão da base florestal”.
“A fábrica [em Cachoeiro de Itapemirim] terá capacidade para converter 30 mil toneladas anuais de tissue em produtos acabados. Serão produzidos no local papéis higiênicos de folhas dupla e tripla das marcas Mimmo, que já é líder de mercado no Espírito Santo, e Max Pure. A matéria-prima que abastecerá a unidade será produzida pela própria Suzano na Unidade Mucuri, no sul da Bahia”.
Mais da metade dos recursos, R$ 531 milhões, será destinado à expansão dos plantios, “por meio de aquisição ou arrendamento de áreas rurais, plantios, conduções e tratos culturais”.
Na ocasião do anúncio dos investimentos, em solenidade ocorrida no Palácio Anchieta no último dia 19 de dezembro, o governador Renato Casagrande (PSB) comemorou: “São R$ 930 milhões revertidos em investimentos que vão gerar uma nova receita de ICMS para o Estado, além de oportunidades de emprego para gerar renda para os capixabas. Essa é uma atividade que já é estruturada no Estado, que é o plantio de floresta voltado ao uso de madeira para celulose. Agora está dando um passo a mais com essa fábrica de papel higiênico na região sul, realizando um equilíbrio no desenvolvimento de todo o Estado”, afirmou.
A geração de impostos, no entanto, é controversa, pois boa parte dos anunciados investimentos para 2020 foram possíveis graças a mais uma manobra legal que o Estado realizou para providenciar mais benefícios fiscais para a papeleira.
Segundo o próprio portal do governo do Estado, a operação foi possibilitada pela “Lei 11.001/2019 [que] introduziu na Lei 7.000/2001 dispositivos para uso de saldo credor acumulado do ICMS decorrente da exportação de produtos primários e industrializado semielaborados. Tais créditos foram acumulados antes entrada em vigor da Emenda 42/2003, que isentou as exportações da cobrança do imposto. A norma permite ainda a transferência do crédito para terceiros, desde que o valor obtido pelo exportador seja integralmente utilizado em investimento produtivo”.
A Lei foi aprovada pela Assembleia Legislativa em junho de 2019. Na ocasião, conforme publicado no próprio portal da Ales, o projeto visou beneficiar diretamente a Aracruz Celulose (Fibria/Suzano). “É uma compensação dos créditos para a empresa que já paga ICMS através da Lei Kandir (lei que isenta o pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos e serviços). O Estado está fazendo essa compensação para a empresa Fibria. No caso, ela vai fazer outra obra agora com esses créditos compensados”, defendeu o vice-líder do governo, Dary Pagung (sem partido).