As 125 procurações de táxi de Vitória às quais Século Diário teve acesso fornecem fortes indícios de que na maior parte dos casos o instrumento é um mecanismo de constituição de frotas particulares de táxi. O mandato confere verniz de legalidade ao usufruto de concessão pública para ganho financeiro particular. Os casos mais nebulosos indicam a formação de frotas particulares em que procuradores concentram de três a 15 procurações, o que pode gerar lucros a outorgante e outorgado de R$ 6 mil e R$ 30 mil mensais, considerando a diária média mínima de R$ 200 em Vitória.
A receita bruta mensal média de R$ 6 mil por veículo geralmente é dividida por três: manutenção do carro e dividendos do outorgante e do outorgado.
A lista também confirma a suspeita participação no serviço de membros de classe privilegiada, como advogados, médico, funcionário público federal, servidor estadual, pedagoga ou empresário, geralmente como outorgantes. Há moradores de bairros abastados como Praia do Canto, Mata da Praia e Enseada do Suá, em Vitória, ou Praia da Costa, em Vila Velha. Um outorgante tem domicílio em Massachusetts, Estados Unidos.
Os indícios apontam que a permissão é usada como complemento de renda. Como Século Diário já revelou, o serviço de táxi em Vitória é operado em pelo menos 80% por defensores, muitos com baixo nível de escolaridade. Muitos permissionários não trabalham, apenas lucram.
As procurações também indicam como nunca a participação feminina nas engrenagens das fraudes em contratos de permissão. Há suspeitas de que esposas, filhas e sobrinhas são usadas como “laranjas” para os verdadeiros donos das placas. Dos 125 outorgantes, 41 são mulheres. Vitória tem 472 permissionários, dos quais 93 são mulheres. Como Século Diário já apontou, há menos de 10 mulheres dirigindo táxis nos pontos de Vitória.
A maioria absoluta dos documentos, lavrados em cartórios, foi expedida entre 2009 e 2015 e delega amplos poderes ao procurador. Apenas 13 procurações fixam prazo de validade, que varia de 60 dias a tempo indeterminado, caso de três procurações. As demais são omissas. A maioria absoluta também é omissa quanto à autorização ou proibição de venda ou transferência da permissão.
Três, no entanto, confrontam a legislação municipal ao autorizar claramente a venda da permissão. Quatro permitem apenas a transferência. Três proíbem a venda e transferência da permissão, cinco vedam apenas a transferência e, quatro, apenas a venda. O substabelecimento da procuração também é tratado: 39 permitem e 13 proíbem. O resto é omisso.
Três dos outorgantes são mulheres, Kariza Amorim (permissão 0209), Sylvia Bastos de Souza (permissão 0157) e Maria da Penha Silva Abreu (permissão 0060). A permissão de Maria da Penha foi lavrada em 29 de maio de 2013 com prazo de validade de dois anos e era uma das que proibia venda e transferência da permissão.
As procurações de Valdir, em sua maioria, foram firmadas com outorgantes que se declaravam taxistas ou motoristas. As exceções são Sylvia, uma cabeleireira, e o aposentado Nestor Figueiró (permissão 0119), um aposentado com domicílio em Sapiranga (RS), cuja procuração foi expedida em 2007 com prazo de validade omisso. A administração das placas podia valer pelo menos R$ 30 mil mensais ao procurador. À CPI, Valdir afirmou que ganha R$ 250/dia por veículo.
Carlos Roberto Agne Filho figura como gestor de cinco procurações, uma das quais já expirada. Quatro foram firmadas com motoristas e taxistas. Exceção é Rita de Cassia Menezes dos Santos (permissão 0034), servidora pública federal lotada no Ministério da Fazenda, no Espírito Santo, que, no documento, se identifica como administradora. Dos cinco outorgantes, três são mulheres. A administração das placas podia valer pelo menos R$ 10 mil mensais ao procurador.
Segundo denúncia recebida na sessão desta terça-feira (24) pela CPI dos Táxis da Câmara de Vitória, Rita é irmã das também permissionárias Cássia Regina Menezes Ferreira (0172) e Regina Célia Menezes (0315).
Já Ataíde Mateus figura como responsável por três permissões. Uma é por tempo indeterminado. Foi lavrada em 2010 pelo autônomo Ivan Rodrigues Lopes Júnior (permissão 0291). Outra, válida por dois meses, já expirou. Todas permitiam subestabelecimento. A administração das placas podia valer pelo menos R$ 6 mil mensais ao procurador.
Além de Ataíde, outros três procuradores concentram três mandatos: Leci Ribeiro Neves, Thiago Mônico Rossi e Vanei Rocha Vieira. Outras 13 pessoas administram duas procurações cada. Leci também foi citado em denúncia recebida pela CPI dos Táxis, segundo a qual ele administra cinco veículos, principalmente no ponto da Rodoviária de Vitória, e não dirige táxi. A denúncia ainda garante que ele recolhe as diárias todos os dias na Rodoviária.
A lista também revela como as procurações transformam o serviço de táxi em negócio familiar. Membros da família Mônico são exemplo. Estabelecida em Jardim Camburi, Vitória, a família concentra quatro placas com Thiago Mônico Rossi (permissão 0132), Olga Mônico (permissão 0169), Luiz Aurelio Mônico Rossi (permissão 0217) e Genedir Mônico Rossi (permissão 0304). Mas procurações expedidas em 2009 delegam para Thiago a administração das placas dos autônomos Genedir e Olga e do médico Luiz Aurélio.
O nome de Thiago também foi citado em denúncia na CPI dos Táxis. A denúncia se refere justamente as permissões 0132 0169 0304, que operam no ponto do Aeroporto de Vitória. Como a diária média do Aeroporto é de R$ 240, Thiago deve lucrar cerca de R$ 15 mil mensais com a frota.
A família Pereira é outro exemplo. O caso de Alessandra
Ghidetti Pereira Torres (permissão 0092), professora efetiva da Prefeitura de Vitória, já foi tratado por
Século Diário.
A reportagem levantou que o ponto da Praça Wolghano Netto (pracinha do Carone), em Jardim da Penha, são registrados 12 veículos, seria dominado pela família de Almir Pereira de Souza, sob cujo resguardo estariam as placas 0330, 0092, 0425, 0145, 0392 e 0319, esta registrada em nome de Almir.
Em 2009, Andressa Ghidetti Pereira da Silva (permissão 0259) delegou a gestão de sua permissão a Almir, autorizando subestabelecimento. Fora do círculo da praça, o taxista Osvaldo Teofilo Pereira (permissão 0195) também delegou a permissão a Almir. Em 2015, Alessandra Ghidetti Pereira Torres outorgou a permissão a Lucimar Rodrigues Torres (0392). Os dois estão registrados em um mesmo endereço domiciliar de Cobilândia, Vila Velha.
O caso de Lucimar e Alessandra é exemplo não apenas de gestão familiar do serviço. Serve também para expor as fragilidades da licitação de táxi de 2008, que distribuiu 100 novas placas. Entre outorgantes e outorgados, 23 pessoas foram contempladas pela l licitação. A permissão de Lucimar é concessão daquele certame.
A lista de procurações revela dois casos bisonhos de gestão de táxi de caráter, digamos, unifamiliar oriundos da licitação de 2008.
Em um documento simples de procuração emitido em 2009, ou seja, apenas um ano após a abertura da concorrência, Érica do Nascimento de Napoles delega a administração da placa 0424 para Rommel Fiorentini de Rezende, permissionário da placa 0413. Ambos foram aprovados na licitação com 38 pontos. A procuração registra o mesmo endereço para o casal, em Maruípe, Vitória, e permite o subestabelecimento.
A mesma conduta teve Penha Christina Soares Sarmenghi (permissão 0404) e Glauber Vieira Espalenza (permissão 0405), também vencedores do certame. A procuração foi emitida em 2012 e permite o subestabelecimento. Ambos estão registrado em um mesmo endereço em Vale Encantado, Vila Velha.
Rogério e Roberto Pereira Brocco (permissões 0371 e 0372 respectivamente) delegaram suas permissões ao aposentado Alberto Pereira Brocco. Segundo o documento, Rogério e Roberto estão registrados em um mesmo endereço em Bairro República, Vitória.
Moradora da Enseada do Suá, em Vitória, a dentista Andrea Gomes Sobral (permissão 0400) concedeu procuração em 2012 a Lucas Paulo Barros dos Santos, morador de Campinho da Serra II, para participar do sorteio de vagas temporárias de táxi no ponto do Aeroporto. O documento veda subestabelecimento.
Os outorgantes Alcibiades Loureiro Diolindo (permissão 0448), Democrito M. Junior (permissão 0441), Jacó Ferreira da Conceição (permissão 0449), Joabes das V. Pereira (permissão 0416), Julio Nascimento Bandeira (permissão 0385), Marcello da Costa Rodrigues (permissão 0456), Olindo Gustavo Vesper (permissão 0403), Roberto Hinte de Souza (permissão 0429), Ronaldo Panetto Blandino (permissão 0415), Roseilto Alves de Oliveira (permissão 0436) e Wagner de Oliveira (permissão 0390) também foram contemplados pela licitação de 2008.
Joabes e Roseilto, este um advogado morador da Praia da Costa, em Vila Velha, deram procurações com prazo de dois anos de validade.
Além de Lucimar, Rommel e Glauber, outros vencedores da licitação de 2008 também figuram como procuradores, como Lecir Souza de Carvalho (permissão 0433), um dos procuradores da lista com dois mandatos. Em 2013, recebeu procurações dos taxistas Nilton Camargo (permissão 0223) e Rômulo Pereira Amaral (permissão 0156). Os três táxis podem conferir cerca de R$ 10 mil mensais a Lecir.
Em 2010, Joelson Rodrigues Torres (permissão 0389) recebeu delegação do funcionário público federal Carlos Augusto Lisboa para gerir a permissão 0235. Everaldo Carlos da Silva (permissão 0439) recebeu de procuração de dois anos de João Elias Sampaio para gerir a placa 0282. Fernando Luiz Prado Leite (permissão 0410) recebeu procuração de Sebastiana do Carmo Menezes (permissão 0039).
Procuradores também foram contemplados pela licitação que distribuiu 108 novas placas. O caso mais suspeito envolve uma filosofa e um bancário. Em 2011, Alessandra Gouveia Maia (permissão 0333) deu procuração para Giancarllo Louzada, classificado em 15° lugar na concorrência. O documento registra o mesmo endereço domiciliar em Jardim Camburi para ambos.
Outro pode ser indício de outro exemplo de gestão familiar de táxi. Classificado em 33° lugar na licitação, o motorista Jardison Marcelino Vidal recebeu em 2011 procuração de Saulo Candoti (permissão 0201). Uma breve pesquisa aponta o aposentado Mauri Teixeira da Silva como procurador das permissões do taxista Carlos Candoti (permissão 0065) e da professora Sonia Mara Candoti Borsai Garcia (permissão 0206). Os documentos foram expedidos em 2012 e proíbem a transferência da permissão.
Em outubro de 2010, Valdir Jorge Souza concedeu procuração para Valdeque Pereira dos Santos e Vilma Valeria Tavares com validade até 26 de junho de 2012. Valdeque passou em 46° lugar na licitação. Contemplado pela licitação de 2008,
Marcello Costa Rodrigues (permissão 0456) concedeu procuração para Wagner
Luis Rodrigues, 111° colocado na licitação, que é o grupo de cadastro de reserva.
Conclusão: os exemplos mais graves citado na reportagem abrangem uma movimentação de pelo menos R$ 75 mil mensais no serviço de táxi de Vitória.