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Direitos: mobilizações contra a tortura, a intolerância e o genocídio negro

Ativistas da área de Direitos Humanos e suas respectivas organizações da sociedade civil tiveram um ano de intensa luta pelo cumprimento das leis cujo objetivo é único e universal: resguardar os direitos fundamentais que todo ser humano tem, desde a vida ao tratamento digno em situação de restrição de liberdade, nesse caso, combatendo a tortura, crime contra a humanidade e inafiançável. Também estiveram em voga o combate ao racismo, ao extermínio da juventude negra e periférica e também a luta contra a intolerância em todos os níveis, religiosa, de gênero e política.  

Em março de 2018, uma decisão do desembargador Pedro Valls Feu Rosa, da Primeira Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJES), adotou rigor a julgamentos que envolvem o crime de tortura praticado em unidades prisionais capixabas e também por policiais. Na época, o magistrado foi incisivo em dois casos dos quais foi relator.   

No primeiro, confirmou sentença da juíza Vânia Massad Campos, da 6ª Vara Criminal de Vila Velha, que condenou os inspetores Waldoece Apolori Costa Junior, conhecido como Amarelo, então diretor da Penitenciária Estadual de Vila Velha V (PEVV V) à época dos fatos; Silvano Alvarenga da Silva; e Mário José da Paixão Silvano Alvarenga da Silva. A defesa dos condenados pedia anulação da sentença. O fato, ocorrido em 2013, envolve dois internos levados para um local conhecido como “barbearia”. Lá, foram agredidos e algemados a um corrimão, com as mãos para trás por várias horas. O episódio aconteceu quando um dos presos, que sofria de enfisema pulmonar e fazia uso de remédios controlados, pediu, pela manhã, que os medicamentos fossem fornecidos.

No segundo, atendendo pedido do Ministério Público Estadual (MPES), Pedro Valls reformou sentença, revertendo a absolvição de quatro policiais militares por crime de tortura em quartel de Cachoeiro de Itapemirim, no sul do Estado, em 2001, impedindo, ainda, que o processo prescrevesse. Em um dos votos, o desembargador chegou a relatar casos chocantes registrados nos presídios capixabas, como os detentos que, por força, sentaram-se, nus, em chão de cimento quente pelo sol a pino. Alguns ficaram com ossos à mostra, depois de terem a carne das nádegas consumidas.

Relatórios da Defensoria Pública

Em 2018, pelo menos dois relatórios da Defensoria Pública alcançaram destaque e repercussão. O primeiro, divulgado logo em janeiro, um documento de 27 páginas, denunciou que, entre 23 de julho de 2015 e 10 de abril de 2016, foram registrados 112 relatos de tortura na Grande Vitória durante audiências de custódia realizadas pela Defensoria Pública do Estado (DPES). As práticas expuseram o nome de 189 policiais, sendo 13 deles mencionados pelo menos duas vezes. Quase todos os casos (99,11%) tiveram algum tipo de agressão física. Uma delas, inclusive, culminou em morte.

 

De acordo com o relatório, as práticas de tortura mencionadas durante as audiências, que na região metropolitana acontecem no Centro de Triagem de Viana, englobam: espancamentos, sufocamento com sacola plástica, o popular “telefone”, enforcamento, estrangulamento, choque a laser, uso de spray de pimenta e ferimentos com armas letais (agressões físicas), além de humilhações verbais e de torturas psicológicas, como ameaça de estupro, de morte e de perseguição.

 

Já o segundo revelou, em julho de 2018, inúmeras mazelas do sistema prisional capixaba, considerado “modelo” pelo governo Paulo Hartung (sem partido). Entre os dados que se referiam aos presos condenados, graves violações de direitos, incluindo suspeitas de maus-tratos, tortura e mortes. Além disso, o documento demonstrou que apenas 10% dos detentos tinham acesso ao trabalho e 20% estudavam. Relatos davam conta de que, com a recente redução da comida, detentos passavam fome, e também havia negativas ao banho de sol, visitas e contato com o mundo exterior. 

Os defensores destacaram dados que colocam o Espírito Santo com um dos estados que mais encarceram no País. “O Espírito Santo é um estado pequeno com uma superpopulação carcerária. É preciso uma nova mentalidade em que a prisão não seja regra. Crimes com menor potencial ofensivo, como furtos sem violência, podem ter penas alternativas em que a pessoa possa aguardar o julgamento em liberdade. A prisão, segundo a Constituição e o Código de Processo Penal, é o último meio a ser aplicado, o que não tem ocorrido na prática”, disse à época a defensora pública Marcela Ferraz. 

Resultado do relatório, em julho de 2018, por unanimidade, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) concedeu habeas corpus mediante pedido impetrado pela Defensoria, obrigando a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) a estabelecer duas horas de sol, previstas em lei (artigo 3º da Lei de Execução Penal), a todos os custodiados do sistema prisional capixaba, extensivo aos menores do sistema socioeducativo. 

Racismo 

Em março de 2018, um caso de racismo também alcançou repercussão por envolver um agente público. O então diretor-adjunto da Casa de Custódia de Vila Velha (Cascuvv), Leonardo Loyola Perini, foi denunciado ao Ministério Público Estadual (MPE) por, no dia 4 de julho de 2017, o servidor público ter comparada um subordinado, inspetor penitenciário negro, à figura de um macaco que ilustrava o cartaz do filme Planeta dos macacos – A Guerra. O comentário foi feito num grupo de WhatsApp de funcionários do presídio, do qual a vítima não fazia parte.

Para praticar a ofensa, o diretor-adjunto Leonardo Loyola tirou uma foto ao lado do cartaz do filme, como se estivesse de mão dada com a figura do macaco. Em seguida, enviou a imagem para o grupo de WhatsApp denominado “Cascuvv”, que era utilizado, exclusivamente, para tratar de assuntos funcionais referentes à unidade prisional. No mesmo instante, o diretor-adjunto escreveu a seguinte legenda: “Eu e (…) no cinema”, associando o macaco ao inspetor penitenciário, que pediu para ter a identidade resguardada. Depois disso, uma denúncia anônima foi feita à Ouvidoria do Ministério Público Estadual (MPES).  

Extinção da CJP

Já em agosto, o Movimento Nacional de Direitos Humanos no Espírito Santo (MNDH-ES) convocou a sociedade civil capixaba para um ato de repúdio à extinção da Comissão Justiça e Paz (CJP). O evento foi uma reação à decisão unilateral do então arcebispo metropolitano de Vitória, Luiz Mancilha, que resolveu extinguir a entidade histórica de luta pelos direitos humano no dia 3 de agosto.  

Luiz Mancilha extinguiu a CJP um dia depois da renúncia do então presidente da Comissão, Bruno Toledo, que entregou o cargo como reação ao encontro de Mancilha e o senador Magno Malta (PR), defensor declarado da pena de morte e da redução da maioridade penal, medidas veementemente condenadas pelos militantes dos direitos humanos.  

Extermínio da juventude negra

O bairro da Piedade, berço do samba capixaba, também esteve no centro das atenções durante 2018. Neste ano, a comunidade sangrou com o assassinato de quatro jovens no morro, incluindo os irmãos Damião, 22 anos, e Ruan, 20, crimes que alcançaram grande repercussão no final de março deste ano. Também foram mortos Lucas Teixeira Verli, de 19 anos, e Walace de Jesus Santana, 26 anos, que foi executado próximo ao projeto social Raízes da Piedade, cancelando uma festa junina prevista para o local. Além do assassinato, os criminosos invadiram a casa da mãe do jovem, onde também morava sua avó de 93 anos, e colocaram fogo nos cômodos. 

No dia 28 de março, uma manifestação em memória de Damião e Ruan tomou a avenida do Centro de Vitória, pedindo justiça e fim do genocídio negro no Estado no “Ato Contra o Extermínio da Juventude Negra – Em Memória de Damião e Ruan”, conclamado por entidades do movimento negro, entre elas o Círculo Palmarino-ES e Movimento Negro Unificado, juntamente com moradores da Piedade e outras entidades da sociedade civil na área social e sindicatos. Os vários grupos e entidades se reuniram em Plenária e decidiram por realizar o ato. Todos pediram rigor do Estado nas investigações.

“A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil. E essas mortes não são investigadas. Durante a greve da PM no ano passado; foram mais de 200 homens assassinados. Desse total, 70% jovens e negros e ninguém deu nenhuma satisfação da autoria. É muito sangue na mão do Estado. É muito crime naturalizado”, desabafou, durante o ato, Wellington Barros, presidente do Conselho Municipal de Vitória de Direitos Humanos. 

LGBTI

Em julho deste ano, o Corpo de Bombeiros Militar do Espírito Santo (CBMES) anunciou que travestis e transexuais que pretendem participar do concurso para ingresso nas carreiras de soldado e oficiais poderão utilizar o nome social e também realizar o teste de aptidão física de acordo com sua identidade de gênero. A conquista foi obtida após intervenção da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES), por meio de atuação extrajudicial que resultou na alteração no edital do concurso.

O defensor público Douglas Admiral Louzada afirmou, na ocasião, que a alteração é de suma importância e ressalta a relevância da resolução administrativa das demandas dos assistidos da Defensoria Pública: “Apesar de o edital do concurso já prever em sua redação inicial o respeito ao nome social de travestis e transexuais, ainda havia dúvidas quanto à realização do exame de aptidão física em conformidade com a identidade de gênero do candidato ou candidata”, relata.

Em outubro, pessoas trans e travestis que trabalham ou são usuárias dos serviços da Justiça Federal no Espírito Santo e no Rio de Janeiro tiveram o direito de ser tratadas pelo seu nome social. O Tribunal Regional Federal – 2ª Região (TRF2), que abrange os dois estados, foi a primeira Corte federal do Brasil a implantar a iniciativa, que vale para a primeira e para a segunda instâncias.

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