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Programa EscoLAR ‘rasga princípio da igualdade de direitos’, repudia educadora

Dra. Cleonara Maria Schwartz diz que medida da Sedu reduz educação a ‘mero cumprimento de tarefas’

Arquivo pessoal

“Estamos indo com muita pressa, tomando medidas sem dialogar com quem vivencia o dia a dia das escolas, sem considerar as condições econômicas dos profissionais que atuam na rede básica e das famílias. E até mesmo as condições de violência que as crianças por estarem em situação de isolamento social estão mais suscetíveis”.

A ponderação é da educadora Cleonara Maria Schwartz, doutora em Educação e representante da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) no Conselho Estadual de Educação (CEE), sendo uma das quatro conselheiras que votaram contra a proposta da Secretaria de Estado de Educação (Sedu) de implementar a Educação à Distância (EaD) nas redes estadual, municipais e privadas de ensino do Espírito Santo durante a pandemia da Covid-19.


A proposta, no entanto, foi aprovada por oito votos e, segundo anúncio feito pelo governador Renato Casagrande (PSB), será implementada neste mês de abril após o lançamento do Programa EscoLAR na próxima terça-feira (7).
O EscoLAR, repudia a educadora, “rasga o princípio da igualdade de direitos, que é um preceito constitucional”. “Até que ponto a educação num contexto de pandemia, está sendo levada a um status apenas do cumprimento de tarefas escolares? Isso precariza, desvirtua a educação como processo formativo que exige a mediação de profissionais capacitados”, critica.
Cleonara chama atenção para os malefícios da medida junto especialmente aos primeiros anos da educação básica, dedicada à alfabetização das crianças com idades entre seis e oito anos. “Essas crianças demandam de intervenções presenciais para que haja uma aprendizagem bem sucedida, porque não têm autonomia pra realizar as atividades escolares sem acompanhamento de um profissional que possui as ferramentas conceituais adequadas”, expõe.
E mesmo que essas atividades à distância sejam utilizadas para revisar conteúdos, enfatiza a educadora, elas ainda não oportunizarão que todas as crianças tenham o mesmo tratamento, que o processo de ensino se dê de forma isonômica. “Nem todos possuem internet celular compatível, familiares que possam acompanhar e que tenham condições de fazer o acompanhamento, as condições dentro de casa pra desenvolvimento do estudo. Em janeiro as chuvas acabaram com as casas, com o pouco que as famílias tinham dentro de casa”, alerta.
A educadora estabelece um paralelo com a Educação de Jovens e Adultos (EJA) para melhor contextualizar a situação. A partir de 2017, conta, houve uma mudança na metodologia da EJA na rede estadual, introduzindo-se uma carga horária não-presencial. “Quais foram as avaliações e monitoramento do efeito dessa carga horaria não-presencial para os estudantes da EJA no ES?”, inquire, ressaltando que “temos notícias de que os núcleos ficam esvaziados, que eles não têm internet em pleno funcionamento onde existe a EJA”.

Além disso, sublinha, “é preciso considerar que as nossas crianças estão vivendo também o mesmo processo de estresse e insegurança que nós adultos estamos vivenciando em decorrência da pandemia. Portanto eu não acredito em aprendizagem em condições adversas estressantes e sem as condições emocionais psicológicas pra que possa ocorrer”, aduz, levantando ainda as condições de trabalho dos professores. “Será que todos os professores têm aparelho de celular com condições de baixar os aplicativos?”, questiona.

Para a doutora em Educação, a melhor alternativa para o cumprimento do ano calendário escolar de 2020 é conclui-lo durante o ano civil de 2021. “Estão indo com muita pressa. A situação precisa de equilíbrio ponderação antes de ser implementada. O que é prioridade agora? É a vida, é tranquilizar as pessoas”, conclama, levando em conta que a Portaria 934 do Ministério da Educação, publicada na última quarta-feira (1), flexibiliza o número de dias letivos estabelecidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 200 dias, mas não o número de horas letivas, mantendo-a em 800 horas.

Sem poder reduzir a carga horária, fica inviável concluir o ano letivo de 2020 até dezembro, pois implementar a educação integral não é possível à maioria das escolas públicas capixabas, pela reduzida infraestrutura. A possibilidade de aumentar em uma hora cada dia letivo, após a pandemia, merece avaliação de viabilidade, mas dependendo do período necessário de isolamento social, pode não ser suficiente para concluir as 800 horas.
Nota técnica do Ministério Público
As ponderações da conselheira encontram eco em uma nota técnica do Centro de Apoio Operacional de Implementação das Políticas de Educação (Caope) do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), produzida no dia 30 de março.
Seguindo orientação do Gabinete de Acompanhamento da Pandemia do Novo Coronavírus (GAP-Covid-19), a nota técnica elenca sugestões de “atuação ministerial para condução na análise da educação básica nos municípios, diante da pandemia da Covid-19”, com objetivo de “preservar o ano letivo em curso, visando ao não aumento das desigualdades socioeconômicas de acesso, permanência e sucesso escolar, tanto na rede estadual quanto na rede municipal do Espírito Santo”, informa o órgão ministerial, em matéria publicada em seu portal na internet no dia primeiro de abril.

“A nota técnica salienta as fragilidades da educação básica para adotar educação não presencial, utilizando-se da metodologia de educação à distância, que venham a substituir às aulas presenciais. Dentre os obstáculos, está a utilização dos mais diversos recursos tecnológicos que não são acessíveis a todos os alunos. O MPES, até o momento, ressalta a não possibilidade de substituição das aulas presenciais por aulas ou atividades complementares à distância. Todavia, com a possível prorrogação do isolamento social, há de ser ponderado no futuro para que os estudantes não tenham perda educacional. Além disso, enfatiza que, após o retorno das atividades presenciais, a reorganização do calendário letivo deve ser reavaliada com a participação dos segmentos da comunidade escolar”, informa a notícia, que foi retirada do ar pouco depois.
Para o professor da rede estadual Swami Cordeiro Bérgamo, a nota técnica atende aos pedidos feitos em uma representação protocolada por ele na Ouvidoria do Caope/MPES no dia 27 de março, pedindo atuação do órgão diante da decisão de implementar a EaD na rede pública do Estado.

“A nota técnica estava boa, pois aponta como inviável o uso do EaD. Todavia indica esta como uma possibilidade complementar futura. Se tiver valendo nos ajuda na compreensão do verdadeiro papel da Educação, especialmente em um Brasil pós-pandêmico. Mas, certamente iria confrontar interesses muito poderosos, de instituições que ganham muito dinheiro com a EaD”, considera o educador.
Carta aberta
Em uma Carta Aberta contra a Educação à Distância nas escolas do Espírito Santo, educadores capixabas também repudiam o EscoLAR, recolhendo assinaturas de apoio ao pleito de suspender o Programa.
“Em nosso entendimento, buscando atender os interesses de instituições privadas de ensino, a decisão não só abre um precedente perigoso, mas aprofunda o fosso que separa a rede pública e privada e no próprio interior da escola pública, bem como entre os níveis de ensino e no interior da própria educação Básica, uma vez que em nome das possibilidades da Educação a Distância (EaD), não leva-se em consideração as desigualdades sociais, ferindo o princípio ‘de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola’, presente no art. 206 da Constituição Federal. Além de outro princípio fundamental que é o da ‘garantia de padrão de qualidade’, expõe a carta aberta.

“Em nome do isolamento social querem impor isolamento e distanciamento educacional adicional ao nosso povo”, denuncia. “A solução é, no momento certo, ou seja, pós-pandemia, confiar as decisões às escolas, desde que sejam respeitadas normas e orientações que devem ser elaboradas democraticamente. E isso deve ser feito a partir de diretrizes nacionais acordadas, envolvendo toda a comunidade educacional – essa não pode ser uma decisão a ser tomada unilateralmente pela Secretaria Estadual de Educação”, propõe a carta, que já foi assinada por mais de 700 pessoas até a publicação desta reportagem.

O programa

O Programa EscoLAR foi instituído pela Sedu através da Portaria nº 048-R, publicada no Diário Oficial desta quinta-feira (2). Por meio dele, explica a Sedu, “os estudantes das escolas públicas da Rede Estadual terão acesso a aulas disponíveis em sites e aplicativos on-line, de modo a darem continuidade ao processo educativo do ano letivo de 2020”, já a partir da próxima quarta-feira (8), anunciou Casagrande na última sexta-feira (3).

“As atividades Pedagógicas Não Presenciais (APNPs) consistem em atividades escolares vinculadas ao desenvolvimento de conteúdos previstos nos documentos curriculares propostos pela Sedu e que sejam previamente planejadas e elaboradas pelo professor, acompanhadas e coordenadas pela equipe pedagógica da escola, com o intuito de serem ofertadas aos estudantes fora do ambiente escolar”, explica a Sedu.
“Nós necessitamos desenvolver as atividades à distância, com uso de tecnologia ou não. O programa EscoLAR poderá, também, se estender a médio e longo prazo em outras ações, a exemplo de aulas de reforço, que poderão bem ser feitas à distância”, disse o secretário de Estado da Educação, Vitor de Angelo.
Segundo divulgado pela Sedu, o conteúdo curricular foi reorganizado para atender as necessidades dos alunos em cada nível, etapa e modalidade de ensino da Educação Básica, considerando a proposta curricular do Espírito Santo. E as unidades escolares poderão, também, utilizar outros recursos disponíveis para estabelecer a mediação da aprendizagem com os estudantes, inclusive, com momentos on-line, para esclarecimento de dúvidas e/ou apoio na resolução das atividades, como: grupos no WhatsApp, Telegram ou Facebook; fóruns no Google Sala de Aula; e-mails; entre outros.

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