A Aracruz Celulose, rebatizada de Fibria, retomou sua prática iniciada no período da ditadura militar para preparar novos terrenos aos plantios de eucalipto nos municípios de São Mateus e Conceição da Barra, antigo território de Sapê do Norte. A empresa avança sobre Áreas de Preservação Permanente (APPs) com seus correntões puxados por tratores de esteira, destruindo o pouco que ainda resta da Mata Atlântica e da fauna nativa na região. O intenso uso de agrotóxicos também eliminou as nascentes já em pequenas quantidades de água, que resistiam entre os eucaliptais.
Indignados com o cenário de destruição que se agravou nos últimos dois meses, os quilombolas denunciaram o problema ao Ministério Público Federal de São Mateus nesta quarta-feira (26). Eles cobram providências urgentes para interromper o que consideram “atitude criminosa” da empresa e a realização de uma audiência pública para discutir o problema e reparar os danos.
A denúncia é assinada pelo presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais Vizinhos dos Empreendimentos dos municípios de Conceição da Barra e São Mateus, Manoel Pedro Serafim.
Além da destruição da mata nativa, ele alerta que animais têm sido encontrados mortos na região e algumas espécies desapareceram. A capina química promovida pela Aracruz também aumentou assustadoramente, como aponta Serafim. Os venenos são lançados até em cima das comunidades, que consomem água contaminada e apresentam problemas de saúde.
Nas áreas da nascente do Córrego da Juquita, do rio Pita (foto abaixo) e das lagoas Juquita e dos Patos, em São Mateus, não há mais qualquer sinal de água, como mostram as imagens protocoladas na denúncia. Na estrada que margeia os municípios, o cenário também é de destruição.
“Quero saber que órgão ambiental autorizou a empresa a cometer esses crimes. Quando é um quilombola que faz um forninho para produzir carvão, a polícia logo aparece”, protestou Serafim.
Há dez dias, os quilombolas já haviam denunciado as movimentações da Aracruz de plantar eucalipto em áreas de preservação, próximos a córregos localizados nas comunidades de Roda D’ Água e São Jorge. Mas a comprovação veio em seguida, com a devastação e a morte de animais registrados pelos quilombolas.
Essas áreas antes eram tomadas por eucalipto, mas esses foram retirados pela empresa com a promessa de realizar um reflorestamento. No entanto, a Aracruz plantou exemplares de acácias, também utilizadas na produção de celulose e papel.
Embora a empresa invista pesado em publicidade para enfatizar que a relação com as comunidades melhorou após a compra da Aracruz pela Votorantim, em 2009, Serafim diz exatamente o contrário: “piorou bastante”. Ele relata as tentativas de sedução da empresa às famílias, oferecendo pequenos agrados e alternativas que distanciam os quilombolas da luta pelo território explorado pela Aracruz há décadas.
Histórico de omissão
O documento protocolado no MPF de São Mateus também reitera denúncias feitas anteriormente pelos quilombolas, até hoje sem qualquer providência.
A entidade destaca, mais uma vez, a maneira “estranha, descabida e omissa” que a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), a Companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan) e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Mateus se recusaram a realizar testes para avaliar a qualidade da água dos córregos na região, contaminados pelos venenos.
A recomendação aos órgãos estaduais foi feita pelo ouvidor agrário nacional, Gercino José da Silva Filho, em 2012, após denúncia feita por Serafim para discutir o problema do veneno da Aracruz.
Por sua luta contra a empresa, Serafim é alvo de represálias na região e já teve sua propriedade incendiada.