O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, nesta quarta-feira (19), a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5553, movida em junho de 2016 pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que questiona dois dispositivos legais que concedem benefícios fiscais aos venenos: o Decreto nº 7.660/11 (e seu sucessor Decreto 8950/2016) e o Convênio 100/97 do Conselho de Política Fazendária (Confaz).
No Espírito Santo, o impacto das reduções e isenções fiscais aos agrotóxicos foi de R$ 42,57 milhões em 2017 (último dado divulgado), montante que poderia cobrir com folga dois meses do reajuste salarial de 5,56% reivindicado pelo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Espírito Santo (Sindipúblicos/ES).
O advogado André Moreira, presidente estadual do partido, lembra que a perda de arrecadação é apenas um efeito secundário da política de proteção fiscal dos agrotóxicos. “Estamos falando de verdade ao incentivo ao uso de agrotóxicos. Já existe a liberação do uso, de algo que deveria ser altamente controlado. E ainda há a redução de impostos, quando os agrotóxicos deveriam ser altamente tributados. Isso não só pelo princípio da capacidade contributiva (quem recebe mais paga mais tributo), como da proteção ao meio ambiente”, explana o advogado.
Na prática, prossegue, essas inversões de princípios resultam, no Espírito Santo, em mais incentivo para expandir monoculturas, como eucalipto, café, pastagens e cana-de-açúcar. Apesar de serem as fabricantes de agrotóxicos que deixam de pagar os impostos, os compradores dos venenos – indústrias de celulose e grandes produtores de café, gado e cana-de-açúcar – economizam dinheiro na compra de herbicidas, fungicidas e inseticidas, aumentando suas margens de lucro.
As normativas em análise do Supremo – editadas pelos governos Dilma Roussef (PT), Michel Temer (MDB) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – em seu conjunto, isentam em 60% o Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) e em 100% o Imposto sobre Produção Industrial (IPI), o que gera uma queda de R$ 10 bilhões na arrecadação de impostos do país, o equivalente a quase quatro vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente (MMA) para 2020 (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou, em 2017, para tratamentos de câncer (R$ 4,7 bilhões).
Os cálculos constam no relatório “Uma política de Incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é injustificável e insustentável”, produzido pela GT Saúde e Ambiente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em conjunto com pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), e divulgado pela Agência Pública/Repórter Brasil na reportagem investigativa 'Bolsa-agrotóxico’: empresas recebem isenções de impostos de R$ 10 bilhões ao ano.
O agronegócio capixaba ainda tem outras benesses, como a recente lei aprovada pelo governador Renato Casagrande, em junho passado, objetivando permitir que a Suzano (ex-Fibria, ex-Aracruz Celulose) seja beneficiada com a transferência de créditos acumulados decorrentes de operações e prestação que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e industrializados.
Bolsa-agrotóxico
No âmbito da saúde, há que se pesar também o custo do tratamento de doenças crônicas e intoxicações agudas provenientes de agrotóxicos. O professor Andrei Cechin, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB), afirma que, assim como acontece com o cigarro, mais dinheiro é gasto para tratar intoxicações por agrotóxico do que com a compra do produto em si.
Um estudo publicado na revista Saúde Pública, cita o economista à reportagem da Agência Pública e Repórter Brasil, revela que para cada US$ 1 gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são gastos U$$ 1,28 no Sistema Único de Saúde (SUS) com tratamento de intoxicações agudas — aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. O cálculo deixou de fora os gastos em doenças crônicas, aquelas que aparecem com o passar do tempo devido à exposição constante aos pesticidas, como o câncer.
Em um trabalho publicado em 2018, a mesma Agência Pública mostrou que, entre 2007 e 2017, o número de intoxicações acidentais por agrotóxicos subiu a tal ponto no Espírito Santo, que o estado se tornou o primeiro no ranking. Foram 4,1 casos para cada 100 mil habitantes no período, ultrapassando o Paraná, antigo “campeão” histórico, mas que mantém a “liderança” em números absolutos, com 1.082 casos no período.
Alimentos
A reportagem também contesta o argumento das entidades que representam o setor de agrotóxicos, que alegam que suspender a isenção fiscal para agrotóxicos levaria a uma alta no preço dos alimentos com impacto sobre a inflação.
Andrei Cechi diz que é difícil afirmar que o impacto da redução de benefícios aos agrotóxicos chegaria à mesa dos brasileiros, já que grande parte do seu uso vai para commodities, como a soja, e não para alimentos.
“O agrotóxico é utilizado principalmente em culturas que não são alimentos, ou seja, commodities cujos preços são estabelecidos pelo mercado internacional. Não são os produtores que escolhem o preço. Com isso, sem isenção, produtores terão que gastar mais em agrotóxicos, o que vai significar uma margem de lucro menor. O impacto [da redução de benefícios] seria para as empresas do agronegócio.”
Em 2015, as plantações de soja foram o destino de 52% da venda de todos os agrotóxicos do Brasil. Milho e cana-de-açúcar aparecem em segundo lugar, com 10% cada, seguidos do algodão, com 7%. Só essas quatro commodities agrícolas representaram 79% do agrotóxico usado no país, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).
Mobilização
Na campanha para que os ministros do STF declarem a inconstitucionalidade dos benefícios fiscais concedidos aos agrotóxicos, estão desde personalidades como a apresentadora, culinarista e especialista em alimentação natural Bela Gil, e o ator Sergio Marone, a autoridades como o procurador da República e coordenador do Grupo de Trabalho de Agrotóxicos da Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal (MPF), Marco Antonio Delfino, passando por instituições como o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a ONG ambientalista Greenpeace e o Conselho Nacional de Saúde. Todos divulgando em seus sites e redes sociais a necessidade de pressionar o Supremo para aprovar a ADI do Psol.