Os pescadores e pescadoras artesanais do Espírito Santo realizam, nesta quarta e quinta-feira (27 e 28), um grande Encontro Estadual, na Prainha de Vila Velha, com foco na organização e na resistência frente aos crimes ambientais ocorridos no mar e no Rio Doce, desde o rompimento da Barragem da Samarco/Vale-BHP em 2015, até o vazamento de óleo que atingiu o Nordeste e agora o Sudeste do pais.
A iniciativa é do Movimento Nacional dos Pescadores e Pescadoras (MPP), do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) e da Federação das Associações de Pescadores Profissionais e Aquicultores do Espírito Santo (Fapaes), que propõem criar um “espaço de partilha e construção de lutas em defesa da pesca artesanal e dos territórios tradicionais pesqueiros do Estado do Espírito Santo”, segundo afirmam na divulgação da ação. “Faremos uma avaliação das lutas e conquistas de 2019 e construiremos uma agenda conjunta de ações para 2020”, sintetiza Francisco Nonato do Nascimento, do CPP.
Nesta quarta-feira, o evento teve início com uma análise de conjuntura, na presença do defensor público estadual Rafael Portella, do presidente da Fapaes, Manoel Bueno dos Santos, o Nego da Pesca, e da representante da Articulação Nacional das Pescadores no Espírito Santo, Rosinea Pereira Vieira.
À tarde, os participantes se dividem em Grupos de Trabalho para as avaliações e apontamentos de caminhos para o próximo ano, finalizando o dia com o ato “Nem lama nem petróleo – ato político em defesa das águas e da pesca artesanal”.
Na quinta-feira, a programação começa com uma reunião ampliada da comissão de luta e finaliza, à tarde, no auditório da Secretaria de Estado de Trabalho, Assistência e Desenvolvimento Social (Setades), no Barro Vermelho, em Vitória, para uma Plenária Ordinária Ampliada do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea/ES) com o tema ” Impactos socioambientais dos rejeitos de minério do crime de Mariana é do derrame de petróleo na costa Brasileira”.
Um dos documentos de base para as discussões do encontro é o Manifesto de Organizações Capixabas frente ao derramamento de petróleo no litoral brasileiro (veja na íntegra abaixo), assinado por 37 entidades e coletivos de atuação socioambiental no Estado.
No Manifesto, é exigido: o monitoramento popular do Plano Nacional de Contingência; a participação popular nos Comitês municipais de Gestão; a criação de um Plano Nacional de transição pós-petroleira; a paralisação dos leilões de novos blocos de petróleo; a não naturalização das tragédias ambientais.
A participação da sociedade civil nas ações relacionadas aos crimes socioambientais é um dos pontos focais do Manifesto e do Encontro. “Há uma militarização dessa discussão, como se fosse uma questão das forças armadas. Mas a população tem sofrido impactos e precisa participar. Os estudos são segredo de Estado. As populações impactadas não estão sabendo o que o estado está produzindo de conhecimento pelo próprio Estado”, reivindica Nonato.
Territórios pesqueiros
O encontro estadual acontece menos de uma semana depois de uma grande conquista nacional do setor, que foi a entrega, na última quinta-feira (21), da sugestão de lei para a instituição legal dos territórios da pesca artesanal.
A ação se deu durante audiência pública sobre o assunto na Câmara dos Deputados, onde o texto do futuro projeto de lei foi entregue junto a 200 mil assinaturas de apoio à proposta.O texto foi elaborado em 2012, no início da Campanha nacional pelos territórios de pesca artesanal no Brasil, por muitas mãos, de pescadores, pescadoras, juristas, acadêmicos e militantes.
Secretária-executiva da Comissão Pastoral da Pesca (CPP), Ormezita Barbosa conta que, ao longo desses sete anos de campanha, houve vários mudanças no governo com relação à pesca, por isso o projeto de lei escrito pelos pescadores requer uma revisão, o que ficará a cargo da Comissão de Legislação Participativa da Câmara, para que dê início à tramitação, após concluir a redação final do projeto de lei.
Geograficamente, explica Ormezita, esse território não tem uma área definida. “A gente conceitua, como território pesqueiro, os espaços de terra e água que as comunidades utilizam pra manutenção e reprodução de seu modo de vida”, explana.
No Espírito Santo, a legalização do território de pesca artesanal possibilitará às comunidades pesqueiras se protegerem dos graves impactos de grandes empreendimentos, principalmente de mineração, petróleo e eucalipto.
Manifesto de organizações capixabas frente ao derramamento de petróleo no litoral brasileiro
Nós, representantes de organizações capixabas, viemos à público nos manifestar em relação ao derramamento de petróleo que há mais de 2 meses está manchando o litoral do Nordeste e agora também o Sudeste, a partir do Espírito Santo.
Numa sucessão de tragédias ambientais que se abatem sobre o território nacional, ora começando por um território, ora por outro, numa corrida de grandiosidade, este crime é também nacional e como os últimos acontecimentos de queimada na Amazônia, rompimento de barragens em Minas, e outros, não estão sendo levados a sério pelo governo federal, sobretudo.
Lamentamos profundamente a omissão e lentidão do governo federal em dar atenção ao desastre e mesmo quando reagiu, sob pressão, o fez de forma desastrosa. O Plano Nacional de Contingência, só foi acionado depois de 40 dias, e precariamente. Na busca por responsáveis, criminaliza, sem provas, alguns dos seus alvos preferidos: a Venezuela e ONGs (como foi com o navio do Greenpeace). Ignora e ridiculariza os pescadores e pescadoras. Menospreza as pesquisas acadêmicas. Militariza as “soluções”.
No âmbito estadual, o governo do Espírito Santo, só veio se posicionar quando o petróleo já estava na fronteira com a Bahia. Poucas respostas são dadas aos questionamentos dos Conselhos e tem dificultado a participação da sociedade no controle social. Aqui, o petróleo já chega com o Plano acionado, com os militares intimidando a presença nas praias, com os olhos para as areias e sem nenhuma boia ou outro equipamento de contenção no mar e nos estuários.
As prefeituras estão preocupadas sobretudo com o turismo e desfeito dos pescadores artesanais. Sem preparo, estão deslocando trabalhadores de serviços urbanos para monitorar as praias, bem como incentivando voluntários que se comprometam com os riscos, como é o caso em Conceição da Barra. Criam comitês sem nenhuma transparência e restrita participação.
Repudiamos o tratamento dado aos pescadores artesanais, transformando o seu território em zonas de sacrifício ou de exclusão (como dizem as petroleiras), seus corpos em mão de obra barata e passíveis de adoecimento, intimidando militarmente o acesso deles ao mar e a sua participação na busca de possíveis soluções.
Preocupamo-nos com o descaso com nossas águas dos rios, dos mares, dos mangues. Alimento primordial, já amargávamos no ES uma condição de insegurança alimentar com a desertificação pelos monocultivos de eucalipto, com a contaminação pelos agrotóxicos, com o rejeito da mineração da Samarco/Vale/BHP Billiton no rio Doce e no litoral, e agora acumulamos mais este impacto do petróleo.
Conhecemos os efeitos da contaminação química, invisível, sobre nossas vidas com um claro aumento de doenças agudas e crônicas, ao mesmo tempo que reduzem as condições de assistência. O sentimento comum é de extermínio.
Também sabemos que estes projetos desenvolvimentistas, que pretendem produzir a qualquer custo, geram pobreza nos territórios onde se instalam, escolhem territórios tradicionais num claro racismo ambiental e que os governos não estão minimamente preparados para agir na contenção, nem na solução dos danos gerados pela contaminação que se alastra nos mares, rios, mangues e corpos (já somos experimentos da criação da Renova que tantas diferenças, disputas e discórdias têm provocado com as irrisórias e controversas indenizações pela Samarco).
Considerando o petróleo como o sangue da terra, sabemos da importância que ele tem para o equilíbrio do planeta no subsolo. Que demorou centenas de milhares de anos para se formar e poucas décadas para que a sua exploração pusesse em risco a vida no planeta (é a queima dos combustíveis fósseis que aqueceu o planeta comprometendo a vida se chegarmos a mais 2°C comparados aos valores da era pré-industrial). Que o seu uso gerou uma petrodependência a ponto de estar presente em praticamente tudo. E que o planeta, com bens comuns limitados, não suporta este padrão ilimitado de produção e consumo privatista. Ou se continua explorando petróleo nesta escala e não se tem vida, ou se tem vida e não se explora mais petróleo nesta escala.
Diante isso tudo, exigimos:
• O monitoramento popular do Plano Nacional de Contingência
• A participação popular nos Comitês municipais de Gestão
• A criação de um Plano Nacional de transição pós-petroleira
• A paralisação dos leilões de novos blocos de petróleo
• A não naturalização das tragédias ambientais
Vitória, 22 de novembro de 2019
Associação dos Cultivadores de Algas da Orla de Aracruz – ES – ACAOA
Associação Grupo Cultural Agentes da Pastoral do Negro do Brasil
Associação Grupo Cultural Modjumba
AMABARRA – Conceição da Barra
Associação Movimento Sócio-Ambiental Caminho das Águas, Itu/SP
Associação de Pescadores de Jacaraípe – ASPEJ
Associação dos Pescadores de Porto de Santana – Cariacica
Associação dos Pescadores(as) e Marisqueros (as) de Barra de Sahy
Associação Permacultural Jacutinga do Caparaó
Campanha Nem Um Poço a Mais
Cineclube El Caracol
Coletivo Casa Verde
Coletivo Oficina de Lixo
Coletivo Soy Loco Por Ti
Coordenação Estadual Quilombola Zacimba Gaba
Comitê de Energias Renováveis do Semiárido
CONSEA/ES
Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional da Serra
Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial
Centro de Defesa de Direitos Humanos – CDDH/Serra
CPP
Federação Estadual dos Pescadores Artesanais – FAPESCA
FASE
Federação das Associações de Moradores de Cariacica – FAMOC
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental -FMCJS
Fórum de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana
Frente por uma Nova Política Energética para o Brasil
Grupo de Estudos em Segurança Alimentar e Nutricional Prof Pedro Kitoko – GESAN
Grupo Ambientalista da Bahia (Gamba)
Instituto Augusto Carneiro – Porto Alegre
Liga Brasil de Responsabilidade Socioambiental – LIBRES
Movimento Eco Trabalhista – ES
Movimento Nacional de Direitos Humanos – ES
Movimento Unificado de Desenvolvimento Alternativo – MUDA
Projeto Resgate Quadrangular – PRQ Rede de Agroecologia Urbana da Grande Vitória
Retomada Quilombola de Linharinho
Sereias Tóxicas