Técnicos do órgão estadual, dotado de poder de polícia para multar empresas que poluam o ambiente, acompanham quatro vistorias de uma companhia paulista contratada pelo Estado por meio de um Termo de Compromisso Ambiental (TCA).
Nas vistorias, são identificadas dezenas de irregularidades em duas grandes indústrias instaladas no coração da região metropolitana da Grande Vitória.
Essas irregularidades ou “não conformidades” são descritas no Relatório Final da Companhia e são alvo de metas e propostas de redução da poluição, a serem implementadas pelas poluidoras em prazos pré-estabelecidos.
Nenhuma das irregularidades constatadas é alvo de multa pelo órgão ambiental estadual.
Mesmo o leitor leigo, cidadão comum capixaba, percebe, na sequência de fatos acima relatados, uma incoerência entre a função fiscalizadora do Estado e sua atuação prática, com relação a duas das maiores indústrias instaladas em solo espírito-santense.
A incoerência é questionada ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) pela ONG Juntos SOS ES Ambiental, em requerimento assinado também pela Associação Nacional dos Amigos do Meio Ambiente (Anama), a Central Única dos Trabalhadores (CUT/ES), a Federação das Associações de Moradores e Movimento Populares (Famopes) e a Sociedade Sinhá Laurinha (SLAU).
No documento, as entidades solicitam ao presidente do Consema e secretário estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Seama), Aladim Cerqueira, “que formalize ao corpo técnico do Iema [Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos], determinação para realizarem levantamento minucioso em todas as não conformidades ambientais registradas nos relatórios de vistorias realizadas pela Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo], em conjunto com técnicos do Iema“, com consequente abertura de autos de infração para todas as irregularidades constatadas.
“Todas [as não-conformidades] são passíveis de punição. É função dos técnicos, que têm poder de polícia, deveriam já ter autuado a empresa”, protesta Eraylton Moreschi Junior, presidente da Juntos SOS ES Ambiental.
Procedimentos rotineiros são inadequados
As quatro vistorias foram feitas nos dias 27 de novembro de 2017 e 15 de janeiro de 2018 e, na primeira delas, feita na Vale, foi verificada poluição gerada nos píeres do porto da mineradora, o mesmo crime que já havia motivado a emissão de auto de multa nº 007/2016 pelo Iema. O auto teve seu processo administrativo encerrado na última reunião do Conrema V, nessa segunda-feira (9), quando o colegiado decidiu pela manutenção da multa contra a mineradora, no valor de R$ 3 milhões.
O laudo da Cetesb informa que “o sistema de umectação de correias transportadoras, utilizadas para evitar emissão de poeiras fugitivas, acaba gerando uma quantidade excessiva de lama associada à uma alta vazão de água, que se agrava nos períodos de chuva. A lama fica acumulada dentro da contenção da correia transportadora e é retirada com pás carregadeiras, o que não é adequado. Por outro lado, no caso do descarregamento de grãos, a contenção realizada por lona na lateral do navio, não era adequada, pois permitia o derramamento de grãos no mar”.
O crime já vem sendo denunciado pela Juntos SOS, desde o ano 2000, “por mais de uma centena de vezes”. No requerimento, as entidades afirmam que a poluição é continuada e conhecida pelos órgãos ambientais municipais, estadual e federal, além de Ministério Público, e acontece desde o início de operação dos píeres de carga e descarga da Vale. “Poluição esta que contaminou, contamina e continuará contaminando ar, mar, praias, e todos os ecossistemas onde se fizer presente, se ações concretas não forem adotadas”, protestam, alertando que, segundo a legislação vigente, o porto da Vale deveria ser licenciado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em função da quantidade de carga movimentada por ano.
Ao Consema, as entidades recomendam que registre Notícias Fato junto ao MPES, denunciando todas as irregularidades porto de Tubarão; e que registre, junto à Secretaria de Estado de Controle e Transparência/Corregedoria Geral do Estado (Secont/Coges), denúncia contra “os gestores e funcionários do Iema com atributos na gestão do porto de Tubarão da empresa Vale a fim de apurar suposta prática de infração disciplinar correspondente à violação de deveres funcionais de (…) exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo ou função e observar as normas legais e regulamentares [incisos “V” e “VI”, do Art.220, da Lei Complementar 46/94, respectivamente]”.
Solicitam ainda que seja feita a revisão da dosimetria aplicada na multa de R$ 3 milhões contra a Vale, visto que “toda a poluição gerada nos píeres da empresa é continuada e está presente desde a entrada em operação dos mesmos, de que a empresa se comprometeu desde o ano de 2000 a tomar providencias para mitigar a poluição do píer III de grãos e, de forma irresponsável e debochada para com a sociedade capixaba, nada fez”.