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Crime Samarco: juiz autoriza descontar valor do auxílio das indenizações

O juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte (MG), Mário de Paula Franco Junior, mais uma vez atendeu à solicitação da Samarco/Vale-BHP. Conhecido por suas sentenças contrárias aos direitos dos atingidos e classificado como “suscetível à pressão das empresas”, o magistrado expediu, nesta semana, autorização para que a empresa desconte os valores pagos com auxílio financeiro emergencial (AFE) do total das indenizações por danos morais e materiais aos atingidos pelo crime socioambiental no Rio Doce, provocado pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), em 2015. 

A sentença contraria decisão anterior do Tribunal Regional Federal (TRF), que havia proibido o desconto. Em comunicado aos coletivos de atingidos pelo crime, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) explicou que a decisão autoriza a Fundação Renova a fazer o desconto a partir de janeiro de 2020, mas não permite que os atingidos tenham que devolver ou ressarcir os valores recebidos a mais. E anunciou que as Defensorias e Ministérios Públicos do Espírito Santo e Minas Gerais já preparam apelação ao TRF. 

“Reafirmamos nosso entendimento já exposto anteriormente e confirmado pelo TRF de que o auxílio financeiro emergencial e a indenização são cifras de programas distintos, com escopos, objetivos e propostas diferentes. Dessa forma, são incomunicáveis e insuscetíveis de abatimento ou desconto. Trata-se de entendimento pacificado no sistema de governança e integralmente adotado pelas instituições de Justiça. Dessa forma, o caminho natural será recorrer da sentença a partir da interposição de apelação”, declarou o defensor público estadual Rafael Portella.

Enriquecimento sem causa

Em seu despacho, o juiz chega a dizer que “o pagamento cumulado do auxílio emergencial e dos lucros cessantes abrangidos pelo PIM [Programa de Ressarcimento e Indenização dos Impactados – PIM] configura enriquecimento sem causa dos impactados” e determina o cancelamento das deliberações do Comitê Interfederativo (CIF) números 111 e 119, que proibiram o desconto do auxílio financeiro emergencial sobre o PIM. 

Ressalta-se que o CIF é a instância administrativa máxima do sistema de governança das ações de reparação e compensação dos danos do crime. Em suas ponderações no processo, o CIF afirma que o AFE e o PIM “constituem verbas distintas, com fundamentos fáticos e jurídicos também distintos”, pois “enquanto os valores indenizatórios contemplados no PIM dizem respeito à reparação por responsabilidade civil de dano ambiental, as parcelas pagas a título de AFE destinam-se a prover a subsistência da população que dependia dos recursos do Rio Doce para fins de sobrevivência, motivo pelo qual teriam natureza jurídica assistencial, com inspiração na Lei Orgânica da Assistência Social (Loas)”. 

Mário de Paula Franco Júnior, no entanto, diz que o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) – acordo feito entre a União e os governos estaduais em março de 2016, que criou os 42 programas de reparação e compensação, a Fundação Renova e o CIF – não prevê “obrigações de natureza assistencialista, com finalidade humanitária”. 

“O TTAC cuida de forma claríssima de responsabilidade civil por danos ambientais. Disciplina, portanto, as ações de reparação e compensação dos danos, na exata extensão dos mesmos. Não trata em momento algum de obrigações humanitárias ou assistencialistas”, sublinha o magistrado.

O Comitê, por sua vez, ressalta que a dedução pretendida pela Samarco “viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana” e que o pagamento do auxílio somente pode ser interrompido pelo “restabelecimento das condições para o exercício das atividades econômicas originais ou, na hipótese de inviabilidade, pelo estabelecimento das condições para nova atividade produtiva, em substituição à anterior”. E expõe: “a dedução requerida revela comportamento contraditório por parte da Samarco, que teria, inclusive, divulgado em seu site a informação expressa de que o auxílio financeiro não representa nenhuma indenização por perdas e danos”. 

Mesmo entendimento sobre a contradição tem o MPF, que argumentou, no processo, que o pedido de desconto do AFE sobre as indenizações “viola a boa fé objetiva, o autorregramento da vontade das partes e a vinculação do juiz aos negócios jurídicos processuais”.

Indenização não é renda

Também nesta quinta-feira (9), a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou o projeto de lei nº 4034/2019, estabelecendo que a indenização recebida por vítimas de desastres com barragens não deve ser contabilizada como renda pelo governo, impedindo que as famílias indenizadas sejam excluídas de programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Segundo noticiado pela Agência Senado, “qualquer indenização ou auxílio recebido em decorrência de danos materiais e morais por conta de rompimentos e colapsos de barragens não será considerado como renda para efeitos de inscrição no Cadastro Único do Ministério da Cidadania, que orienta a distribuição de benefícios sociais e assistenciais. Dessa forma, o recebimento de valores como BPC ou Bolsa Família não será interrompido mesmo que a soma da renda regular e da indenização ultrapasse a faixa máxima prevista para cada programa”.

No norte do Espírito Santo, algumas famílias atingidas pelo crime da Samarco/Vale-BHP devem ser beneficiadas pela lei, quando a mesma for aprovada, pois foram excluídos do Bolsa Família, sob alegação de já terem o AFE da Renova. 

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