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Acusado de abuso por CPI da Pedofilia denuncia senador Magno Malta

Com o objetivo de ganhar os holofotes da mídia na véspera de disputar a reeleição para o Senado, em 2010, o senador Magno Malta (PR) é acusado de usar uma menina de dois anos e seus pais. O pai respondeu por estupro à criança e a mãe por ter sido conivente com o fato. 

O senador colocou o caso na mídia do Estado e do país na época, ganhando espaço até na imprensa internacional, legitimando a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia, rebatizada de CPI dos Maus-Tratos, da qual ainda é presidente.  

Magno Malta, em uma de suas atuações à frente da CPI da Pedofilia

Seu alvo principal foi o então cobrador de ônibus Luiz Alves de Lima, à época com 35 anos, acusado de ter violentado a própria filha, então com dois anos. O acusado passou nove meses preso, até ser declarado inocente pela Justiça. Luiz mora em Vitória.

Tortura física

Luiz Alves de Lima relata que foi torturado fisicamente nas dependências do Centro de Detenção Provisória de Cariacica (CPDC), até quase ser morto. Dentre as práticas de tortura a que foi submetido no local, aponta asfixia com sacola na cabeça; choques elétricos, principalmente no órgão genital; e surras. 

 

Dia sim, dia não, segundo ele, era colocado amarrado dentro de tonel de água gelada. Como consequência das torturas, diz que ficou cego do olho direito e tem visão parcial do esquerdo (só enxerga entre 20 e 25%). Afirma que também teve dentes arrancados por alicates, mas as marcas visíveis da tortura não podiam ser observadas por seus familiares: a Polícia impedia a presença dos seus parentes na prisão nos dias de visitas, como conta Luiz. 

Comando

A tortura psicológica, apontam os relatos de Luiz Alves de Lima, foi presidida pelo próprio senador Magno Malta e teria contado com a participação de dois delegados da Polícia Civil, Marcelo Nolasco e Márcio Lucas Malheiros de Oliveira. Magno Malta, como afirma o cobrador e matérias publicadas na época, convocou a imprensa local e nacional para apresentar o acusado – ele o chamava de estuprador –  e o caso explodiu nas televisões, rádios e jornais. O caso rendeu reportagens e notícias durante meses, quando Magno Malta aparecia como o herói que descobriu o caso e puniu o culpado.

Há um coadjuvante citado pelo cobrador por ter tido participação decisiva no caso, o médico legista Rogério Piontkowski, que sustentou o indiciamento e a ação penal. Ele atestou o rompimento do hímen da criança e o comprometimento anal. Isso no dia que os pais foram presos. 

Rogério Piontkowski, médico legista da Polícia Civil do Espírito Santo, concluiu: “Submetida a Exame de Conjunção Carnal e Coito Anal em 24/4/2009, foi atestado 'ruptura himenal antiga em 11 e 2 horas', ou seja, o desvirginamento da vítima”, conforme o laudo, como cita o juiz que deu a sentença que inocentou o pai sete anos depois. Neste dia, Luiz Alves de Lima tinha permanecido em casa, enquanto sua mulher trabalhava fora. 

Posteriormente, uma perita judicial, a médica Clicie Cristina Lima Turra, afirma em laudo que a criança era virgem. “… Foi observado genitália compatível com a idade. Hímen anular íntegro. Ausência de lesões de natureza violenta na genitália externa, períneo e ânus”, atestou a perita ao juiz, em 2012. Aí a história já favorecia os denunciados.

No começo, o show

A vida do casal Luiz Alves de Lima e Cleonice Conceição Silva, então com 23 anos, virou de ponta cabeça no dia 25 de abril de 2009. Foi quando a Polícia Civil prendeu o casal sob acusação de suspeita de abuso sexual de sua filha. O caso chegou à Polícia a partir de denúncia do Conselho Tutelar.

Durante três dias o casal esteve preso, mas não foi ouvido. A razão só se conheceu depois, como aponta o cobrador: o senador Magno Malta queria participar da “oitiva”. Passado esses dias, chega o senador. Investido da sua condição de presidente da CPI da Pedofilia no Senado, convocou um batalhão de jornalistas.

Magno Malta, que é bacharel em Teologia, pastor evangélico e cantor gospel, queria publicidade e a teve. Mas parecia querer também exercer a função de juiz. E teria se emplacado neste posto. 

Colocou sob sua batuta o delegado Marcelo Nolasco, que consentiu dar entrevista tendo na mesa de trabalho que ocupava a inscrição “Todos contra a Pedofilia”, marca cunhada por Magno Malta. Posou para fotos na imprensa nesta situação.

O coadjuvante do delegado Marcelo Nolasco (foto à direita) foi o também delegado Márcio Lucas Malheiro de Oliveira. Foi Márcio Lucas quem estava de plantão no Departamento de Polícia Judiciária (DPJ) e recebeu o casal denunciado na delegacia. Fez o pedido de prisão preventiva contra o casal, mas Luiz Alves de Lima afirma que sequer foi encaminhado para realização do exame de corpo de delito, como manda a lei.

O delegado Márcio Lucas Malheiro de Oliveira “ouviu o pouco que queria” e teria apontado arma para a cara do casal. Como relata Luiz, colocou a pistola na boca da mulher e exigiu que ela o denunciasse como culpado, intimidando ainda com socos e ameaças para que um dos presos acusasse o outro.

Cleonice Conceição Silva, a companheira de Luiz, começo a pagar com pena de prisão: foi encaminhada para presídio em Cariacica. Dois dias depois, a situação se degringola, com a chegada do senador Magno Malta e sua “trupe” ao DPJ de Vitória, jornalistas inclusos. O show já estava preparado, com exposição do casal, e particularmente, de Luiz Alves de Lima. 

O senador foi convidado pelos dois delegados, Marcelo Nolasco e Márcio Lucas Malheiro de Oliveira. Magno Malta, prossegue Luiz Alves, decidiu com os delegados que ele não seria mandado ao Departamento Médico Legal (DML) para exame de corpo de delito.

Isso porque, segundo o preso, conseguiu irritá-lo ao extremo, ao afirmar durante sua apresentação, olho no olho, que ele não podia usurpar a função da Justiça, tampouco do Ministério Público. “O senador chegou a esmurrar a mesa com força”, completa. 

E deu a seguir um passo em frente, afirma o acusado, “tramando sua morte”. Como? Queria impedir que o acusado chegasse ao presídio, forjando suposta fuga. Quando a imprensa deixou o local, afirma Luiz Alves de Lima, Magno Malta deu ordem aos delegados, na presença dele, de que não poderia chegar ao presídio. 

Luiz relata que o senador disse aos delegados: “Ele não pode chegar ao presídio. Tem de descartar antes de chegar lá”. Disse mais: “Manda chutar a porta e correr. Um tiro pra cima, pra confirmar no exame de balística. Depois resolve (mata) com  outro tiro”.

Por alguma razão –  talvez a mão Divina, como filosofa o acusado – a sentença de morte dada pelo senador Magno Malta deixou de ser cumprida. Luiz foi para o presídio, onde denuncia ter sofrido torturas por nove meses. 

Intimidação

Ainda na Delegacia, os relatos do acusado ressaltam que Magno Malta intimidou suas duas outras filhas, de 11 e 12 anos. Elas estavam desesperadas com a prisão do pai e com o batalhão de repórteres que acompanhavam o caso.

Magno Malta teria chamado as crianças em uma sala e dito para elas fazerem um exame. “Se este exame der negativo, eu solto seu pai agora”, prometeu, como conta Luiz. O acusado afirma que as crianças aceitaram e acompanhadas da mãe foram ao Departamento Médico Legal (DML). Os exames, garante, revelaram que eram virgens.Mas a promessa do senador Magno Malta não foi cumprida. 

Luiz se revolta ao fazer a denúncia: “Ele usou não só a mim, mas desrespeitou minha família, inclusive minhas filhas. Um dia terá que pagar por estes crimes”. 

O relatório da Polícia 

A vida do casal Luiz Alves de Lima e Cleonice Conceição Silva mudou quando a mãe notou ferimento na entrada da vagina da filha de dois anos. A criança se submetia a tratamento contra oxiúros – verme que produz intensa coceira – e a levou à pediatra Rosalva Grobério Pazó. A médica examina a criança. Tempos depois, em depoimento, esta médica daria precisão ao momento: “… em fevereiro [de 2009] não havia ruptura do hímen” e que “… um hímen rompido não se restabelece”, como cita o promotor que, a esta altura, em 2015, pediu ao juiz a absolvição de Luiz Alves de Lima.

Mas em abril de 2009, a médica ginecologista Cássia Gonçalves atendeu a menor de dois anos em substituição à sua colega, que havia saído de férias. 

Esta médica desconsiderou que a criança tratava oxiúrus (o verme que produz intensa coceira) e que no quintal da sua casa uma irmã de Cleonice criava 11 cachorros em péssimas condições de higiene e que a criança brincava com os animais. Também desconsiderou ou não leu o prontuário da criança.

Segundo depoimento citado em juízo pela psicóloga Aline Lopes de Souza, a médica Cássia Gonçalves diagnosticou ruptura do hímen da criança. E encaminhou o caso para  o Conselho Tutelar. O caso foi, então, levado à Polícia. 

Diz o delegado ao juiz  em seu relatório, que o exame feito pelo legista do DML teria comprovado o “defloramento” da criança: “… O que temos de concreto, Excelência, é uma menina de dois anos deflorada. E isto alguém fez”, afirma. Ele também cita que o acusado protestou inocência. Mas que “… Entendo que pesa em desfavor do acusado o fato de ficar sozinho com a criança durante todo o dia, período em que a mãe permanece trabalhando…”.

Depois de historiar o caso, sem nenhum constrangimento, diz o delegado Marcelo Nolasco de Abreu  ao juiz:

O senador Magno Malta havia dado a sentença e o delegado a cumpriu. No parágrafo anterior do relatório, o delegado já tinha deixado de indiciar Cleonice Conceição Silva. 

Na ocasião, Marcelo Nolasco de Abreu era da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). À imprensa, dizia à época que Luiz poderia pegar dez anos pelo crime que cometeu. 

A prisão da mãe e da criança

Cleonice Conceição Silva também foi mandada à prisão. Um dia, sem que ninguém esperasse, o próprio senador foi até ela. A mãe relata que ele lhe disse: “Se você, mãe, não acusar seu marido, você nunca mais verá sua filha. Ela já está sendo adotada”. A mídia apenas relata a presença do senador e titula: “Pai e mãe ouvidas pela CPI”. Na foto, mais uma vez, a exposição do cobrador.

Cleonice ficou presa por 40 dias. Enquanto isso, sua filha de dois anos ficou sem família, recolhida ao abrigo público, onde permaneceu três meses. Mesmo desesperada, a mãe não conseguia trazer a filha para casa quando saiu da prisão, pois a criança foi internada por medida judicial.

Ela notava os maus-tratos com a criança em suas visitas constantes: “Minha filha voltou para a casa de minha mãe. Foi muito mal tratada no abrigo, pois chegou em casa com piolhos, perebas no couro cabeludo, e pés machucados”, relata. 

A mãe de Cleonice, d. Madalena, cuida de uma filha especial. Vivia na cidade baiana de Macajuba. Vendeu tudo o que tinha, inclusive sua casa, e se abalou com a filha especial para o Espírito Santo. Deixou tudo o que conseguiu juntar ao longo da vida por R$ 10 mil, sendo o valor da propriedade muitas vezes superior ao preço que conseguiu vender. 

Tipos de tortura

A via crucis de Luiz  Alves de Lima foi ao extremo. Foi levado ao Centro de Detenção Provisória de Cariacica (CDPC), onde permaneceu os nove meses. Durante as torturas a que relata ter sido submetido, diz que ouvia os policiais citar o nome de Magno Malta, inclusive quando o senador foi passear em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Os policiais encapuzados sempre instavam o preso para que confessasse o atendo à filha.

A  vida de Luiz é ainda mais complicada: ficou cego do olho direito e tem visão parcial do esquerdo (só enxerga entre 20 e 25%). Para ler, ele tem de usar lupa, e anda com extrema dificuldade: em certa ocasião, caiu em um bueiro sem tampa, e quebrou o braço.

Os médicos que o atendem o informaram que a lesão que resta é irreversível e progressiva. Pode chegar à cegueira.

O apoio  

Durante o tempo em que esteve preso e após ser solto, Luiz Alves de Lima contou com o defensor público Franz Robert Simon no processo. Em uma audiência, em 2010, Luiz Alves de Lima e seu patrono conseguiram apresentar um laudo de uma médica que atestava a virgindade de sua filha de dois anos depois da denúncia apresentada pela Polícia Civil. 

Face a este laudo, a juíza Aline Tinoco, da 11ª Vara Criminal, determinou uma nova  perícia médica na criança,  e Luiz foi solto em decisão provisória. Nesta ocasião, participou a promotora Giovana, do Ministério Público. Então Luiz Alves de Lima começa a montar a sua defesa com menos dificuldade.

No dia 1 de fevereiro de 2012, ele e sua mulher levaram a filha, então com cinco anos, à médica Elaine Christine Moniz Simões Silva, ginecologista e obstetra no Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam). A pedido dos pais, ela registrou no verso da receita que a criança por ela examinada, “apresenta hímen íntegro e quadro de candidíase”.   

Pedidos separados do defensor público e do promotor de Justiça, Jerson Ramos de Souza, ambos feitos em 2015, convergem no pedido de absolvição do acusado. O promotor, após analisar todo o caso, nas suas alegações finais requer que a denúncia seja considera improcedente e  Luiz Alves de Lima absolvido.

Então, em  21 de julho de 2016, o juiz Gustavo Grillo Ferreira, da Terceira Vara Criminal de Vitória, sentencia: “À vista de tudo o que foi exposto, constato que não consta dos autos prova que o acusado praticou o delito que lhe foi imputado, motivo pelo qual julgo improcedente a pretensão punitiva formulada na denúncia e absolvo o réu Luiz Alves de Lima”. 

O recomeço 

Praticamente cego e sem condições de voltar a trabalhar, restou à vítima buscar indenização do Estado (processo nº 0020292-42.2017.8.080024). Hoje sobrevive com R$ 2 mil mensais, por determinação da Justiça, que atendeu a um dos pedidos da ação: “seja o Estado condenado ao pagamento ao autor a importância relativa aos danos materiais sofridos, com pensão vitalícia, a fim de compensar a incapacidade acometida. Pagar pensão de alimentos no importe de três salários mínimos a fim de quitar as despesas médicas, ambulatoriais e de materiais suficientes e necessários ao tratamento da lesão e ainda para sustento de sua família”.

A liminar foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Estado (TJES), sob o fundamento de que, “aparentemente, o entrevistado sofreu danos no sistema carcerário”.

Luiz Alves de Lima lembra que as marcas da tortura vão perdurar para toda a vida. E que não teme denunciar o senador Magno Malta “nem seus capangas”, como afirma, como o homem que o aviltou e à sua família, apenas para ganhar holofotes da mídia e assegurar votos na sua reeleição para o Senado, que ocorreria logo depois.  Não teme a sua morte, mas se desespera pela vida de sua família. Tem cinco filhos, dos quais três com Cleonice. Assegura que, por eles, lutará até a morte.

Magno Pereira Malta é baiano de Macarani, e nasceu em 16 de outubro de 1957. Chegou em 1982 ao Espírito Santo, por Cachoeiro de Itapemirim, onde conseguiu se eleger vereador. Ingressou na vida pública em 1993, quando foi eleito vereador, e posteriormente foi deputado estadual e federal. Foi membro do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), do Partido Liberal (PL), onde foi eleito como senador, em 2002, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e Partido Social Trabalhista, antes de se filiar ao PR. 

Ficou conhecido por ser presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre narcotráfico. Ele mesmo, espontaneamente, informa que usou maconha dos 13 aos 17 anos. O senador veio morar no Espírito Santo em 1982, quando se casou com Kátia Malta. Hoje é casado com a ex-deputada federal e cantora gospel Lauriete (PR), candidata novamente à Câmara Federal.

Seus dois mandatos de senador foram marcados por shows midiáticos promovidos, principalmente, em véspera de eleições. Hoje, se mantêm na mídia com a CPI dos Maus-Tratos (pedofilia inclusa), cuja exposição também é constantemente alvo de críticas de entidades e órgãos públicos.

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