A Pública Central do Servidor protocolou denúncia no Tribunal de Contas Estadual (TCE) contra o Estado e o governador Renato Casagrande (PSB) devido à negativa em conceder a recomposição inflacionária dos salários dos servidores, descumprindo, assim as Constituições federal e estadual, como aponta o documento.
Encaminhada ao conselheiro presidente do TCE, Sérgio Aboudib, a denúncia enuncia entendimentos que apoiam o pleito dos servidores, publicados recentemente pelo próprio Tribunal, além do Ministério Público de Contas do Estado (MPC e o Tribuna de Justiça (TJES).
No Processo TC nº: 07121/2018-7, por exemplo, o TCE-ES afirma “o cabimento e a necessidade de concessão da Revisão Geral Anual, mesmo que reste ultrapassado o limite prudencial de gasto com o pagamento de pessoal estabelecido na Lei de Responsabilidade Fiscal”.
A exceção aceitável para justificar a não observação da revisão seria “o atingimento do limite máximo, o que, como apontado na presente peça e propalado pelo Governo do Estado, não ocorre na atualidade”, argumenta a denúncia, expondo números de um estudo econômico realizado pelas entidades sindicais.
O estudo cita dados da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), em que o Espírito Santo obteve o 2º melhor resultado entre os estados, com uma receita corrente líquida de R$14,1 bilhões no primeiro quadrimestre. “A pujança econômica do Espírito Santo não coaduna com a situação de corrosão de orçamento familiar vivida por seus servidores públicos. De abril de 2014 até o momento, são 26,51% de perdas salariais, utilizando o IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo], o que representaria uma perda anual de quase três salários”, expõe a Pública.
As entidades lembram que a inflação do período de abril de 2018 (data do último reajuste) até julho de 2019 se encontra no patamar de 5,56%, medido pelo IPCA, percentual que é reivindicado para reajuste neste ano de 2019.
“Tendo em vista que o Espírito Santo fechou o primeiro semestre com um superávit nominal de R$ 1,6 bilhão, a recomposição salarial dos servidores representaria um dispêndio de R$ 24 milhões, não impactando significativamente o superávit estadual, o teto de gastos imposto pela LC 156/2016 e os limites de gastos impostos pela LRF [Lei de Responsabilidade Fiscal]”.
Sobre a LC 156, conhecida como “novo PAF” – Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal, a entidade discorre sua justificativa em números. Editada em 2016 pelo governo federal devido à situação crítica das finanças de alguns estados, dos quais o Espírito Santo não se incluía, a Lei permitiu à União refinanciar dívidas estaduais através da reestruturação e ampliação de prazos de pagamentos em até 240 meses.
Em contrapartida, explica a Pública, os estados aderentes ao acordo passaram a ter um teto de gasto, tomando como base os valores atualizados da média das despesas dos exercícios de 2015 e 2016, ou do ano de 2016, ou do ano de 2017, condicionando o crescimento anual das despesas primárias correntes à variação da inflação (IPCA).
No caso do Espírito Santo, “o teto do gasto fixado para 2019 é de R$ 12,55 bilhões e a Secretaria de Estado da Fazenda (Sefaz) projeta despesa de R$ 12,3 bilhões, gerando resultado 1,3% abaixo do teto e correspondendo a uma “sobra” de R$ 157 milhões. A estimativa indica uma projeção de aumento da despesa de 4,29%”, expõe a entidade.
Ocorre que “o resultado do primeiro semestre registrou variação da despesa de “apenas” 0,77%, bem abaixo do projetado para o ano de 4,29%, indicando margem de aumento de gasto para o segundo semestre de 7% para atingir a média anual de 4%”.
O reajuste de 5,5% requerido pelos servidores públicos, conclui a Pública, “impactará financeiramente apenas seis meses do exercício de 2019, sendo facilmente suportado pela folga de R$ 157 milhões calculados pela equipe técnica do governo estadual”.
Os pedidos feitos na denúncia são no sentido de que o Tribunal de Contas “aponte o cabimento e a necessidade de concessão da Revisão Geral Anual da remuneração dos servidores públicos do Estado do Espírito Santo, tal como prevista no Inciso X do Art. 37 da Constituição Federal, e se aponte a responsabilidade do Governo do Estado e do Sr. Governador pelo retardamento no cumprimento do mando legal e pelos prejuízos disso advindos”.
O descumprimento das constituições com relação à recomposição salarial também foi alvo de uma representação feita pela Pública há poucos dias à direção estadual e nacional do PSB, partido do governador Renato Casagrande, no âmbito de uma denúncia sobre seu apoio à reforma da Previdência, o que contrapõe a orientação expressa do partido.
Procurada, a Secretaria de Gestão e Recursos Humanos (Seger) informou “que já foi prevista e divulgada pelo governo a possibilidade orçamentária para reajuste linear em 2020 a todas as carreiras de servidores do Poder Executivo Estadual. A data para concessão será definida mediante avaliação do comportamento da economia nacional e da receita do Estado”.
Assembleia geral
Foto: Sindipúblicos
Em paralelo à representação ao Tribunal de Contas, os servidores públicos estaduais realizaram, na manhã desta quinta-feira (24), a quarta Assembleia Geral Unificada (AGU), reunindo representantes de praticamente todas as carreiras do Estado.
A Assembleia teve início em frente ao TJES, de onde os manifestantes seguiram em passeata até a escadaria da Assembleia Legislativa. No local, deliberaram pela ampliação do movimento que reivindica a recomposição inflacionária. A intenção é, a partir de agora, realizar atos públicos nas autarquias e demais órgãos públicos estaduais, visando mobilizar as categorias e informar, à sociedade em geral, sobre o sucateamento, a falta de insumos, a sobrecarga de trabalho, a falta de pessoal e outros problemas vividos pelo funcionalismo público estadual.
Tadeu Guerzet, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos Estaduais (Sindipúblicos), lembrou que “com nossos salários congelados, com perdas de 30%, esses valores deixam de ir para a economia local. Perdemos poder de compra, e aí todos perdem. É lamentável o governo Casagrande ter dinheiro em caixa e não recompor, fazendo com que esses valores fiquem parados, travando a economia capixaba. Essa opção do governador gera ainda mais desempregos”.
STF
A falta da revisão anual dos salários dos servidores capixabas já levou a Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) a ajuizar, em janeiro de 2018, uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o então governador Paulo Hartung.
Na ADO, a Confederação relata o descumprimento e ausência de edição de leis específicas que assegurem a revisão geral anual da remuneração dos servidores e agentes públicos estaduais, civis e militares, ativos e inativos, bem como de pensionistas.
A autora da ação também sustenta a necessidade de o chefe do executivo estadual promover a revisão anual do subsídio que recebe, pois este valor orienta a aplicação do chamado “abate-teto” aos demais servidores do Poder Executivo, sob pena de a revisão geral anual se tornar “letra morta” para aqueles que têm essa limitação em suas remunerações.
O STF foi acionado após o julgamento, pelo TJES, da mesma ADO. O motivo é que, apesar de reconhecerem a ilegalidade cometida por Hartung ao não proceder a revisão geral anual, os desembargadores do tribunal capixaba não determinaram que a ilegalidade fosse sanada.
Segundo o Sindipúblicos, que foi aceito como “amicus curiae” pelo STF, a justificativa dos desembargadores para não condenar o Estado seria a separação dos poderes. Para os magistrados, somente o Poder Executivo pode conceder a revisão anual, por meio de projeto de lei que deve ser encaminhado para a Assembleia Legislativa. No entanto, antes dos 5% concedidos por Hartung em 2018, quando ainda pretendia ser candidato à reeleição, a última vez que os servidores tiveram essa reposição, de 4,5%, tinha sido ainda em 2014.