Na área de direitos humanos, um dos gargalos a ser resolvido continua sendo a superlotação do sistema carcerário do Espírito Santo, problema histórico que atravessa mandatos dos gestores estaduais. Em novembro de 2019, o nível de tensão no Centro de Detenção Provisória de Vila Velha (CDPVV), o presídio de Xuri, localizado na zona rural do município, aumentou a ponto de resultar num motim, em pleno domingo de visita.
A unidade abriga 934 presos numa estrutura que comporta apenas 534 e, desde o início do ano, a superlotação tem sido apontado como problemática, inclusive pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários do Espírito Santo (Sindaspes).
Para defensores dos direitos humanos, como Gilmar Ferreira, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Serra (CDDH), a superlotação é um elemento que pode propiciar motins e rebeliões, no entanto, esse fator é somado a outros como um sistema carcerário violador e que nega os direitos mais básico dos internos, como ausência de serviços de saúde, alimentação adequada, celas e demais locais insalubres, maus-tratos por parte de servidores, ausência de serviços advocatícios e manutenção de prisões ilegais e arbitrárias. Segundo o militante, as condições insalubres do cárcere tendem a piorar com a chegada do verão e as altas temperaturas.
Em setembro deste ano, foi registrado um crescimento de 45% no número de presos nos últimos cinco anos. Na época, eram mais de 43 mil processos de execução penal em andamento sob responsabilidade de dez juízes, uma média de 4,3 mil processos por magistrado. Com 35 unidades prisionais e capacidade para 13,8 mil presos, a população carcerária capixaba já somava 23,8 mil. Desse total, 15,1 mil presos condenados e 8,6 mil provisórios.
A taxa de encarceramento, nos últimos cinco anos, saltou de 418 para 589 por 100 mil habitantes e a população carcerária cresceu 45%, chegando a 23,6 mil pessoas privadas de liberdade. O número de vagas, no entanto, aumentou apenas 7%, e a taxa de ocupação hoje está em quase dois presos por vaga (171%).
Diante de um cenário de encarceramento em massa, o Estado foi alvo, em setembro, de um mutirão carcerário.
Já no final do ano, em novembro, o Governo do Estado anunciou que, até 2022, serão instaladas seis novas unidades de semiliberdade, sendo duas em cada ano a partir de 2020. Até então eram 36 vagas, distribuídas entre Vila Velha e Serra, quando deveriam ser 240 em todo o Estado. “Há poucas vagas de semiliberdade, justamente a espécie socioeducativa mais eficaz”, avaliou o próprio presidente do Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), Bruno Pereira Nascimento.
Os movimentos sociais continuam se opondo à construção de novas unidades exclusivamente de internação e puxadinhos como forma de ampliar vagas de caráter punitivista no sistema socioeducativo e que também atende aos interesses de empreiteiras.
Decisão da defensoria capixaba é estendida
Em maio, a decisão liminar do Habeas Corpus coletivo conquistada pela Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) em 2018, que limitou a taxa de ocupação nas unidades capixabas de internação socioeducativas em 119%, foi utilizada como base para que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), deferisse o pedido de extensão, limitando também a taxa de ocupação nas unidades de internação dos estados do Ceará, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco nesse mesmo índice.
A medida foi direcionada, inicialmente, a adolescentes internos da Unis Norte, localizada em Linhares, que deveriam ser remanejados para o meio aberto (regime de liberdade assistida ou prestação de serviço à comunidade) até que a superlotação da unidade, que variava na ocasião entre 270% a 300%, caísse para 119%. Em seguida, passou a valer para todas as unidades socioeducativas capixabas. Na ocasião, o ministro chegou a dar um prazo de 30 dias para que a decisão fosse cumprida pela Justiça capixaba.
Na decisão, Fachin afirma que “a farta documentação acostada aos autos revela similitude e está a reclamar identidade de tratamento jurídico aos pacientes de outras unidades da Federação, adotando provisoriamente a mesma taxa de ocupação (119%)”. De acordo com o Núcleo da Infância e Juventude da DPES, trata-se de decisão inédita no país e que aplica o princípio numerus clausus a outros estados da Federação, levando em consideração a média nacional de ocupação constante em pesquisas oficiais.
Carta Aberta
No dia 28 de abril deste ano, o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente do Espírito Santo (Criad-ES) divulgou uma carta aberta à sociedade capixaba em que denunciou o descumprimento das determinações do Supremo Tribunal Federal estabelecidas pelo Habeas Corpus coletivo 143.988.
“Diante do fato, o Criad-ES informa que está acompanhando as movimentações do Poder Executivo e do Poder Judiciário, de forma a garantir que a determinação da Corte Suprema não continue sendo desrespeitada pelos atores estaduais, que têm a obrigação de efetivá-la de zelar pela garantia integral dos direitos dos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas”, reforçaram os representantes do Conselho na Carta Aberta, datada do dia 23 de abril de 2019.