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2019, um ano de constatações importantes e poucos avanços para os atingidos

Arsênio no corpo e na água; mar, rio e pescados impróprios para consumo; número crescente de pessoas doentes pela lama; depressão e desespero assolando as comunidades; lucros e isenções fiscais bilionárias para a Vale, negligência do Estado e das empresas criminosas em relação à tragédia; decisões lentas e atropeladas da Justiça; governança desalinhada com os direitos humanos. 

O tempo tem corrido contra os atingidos pela lama de rejeitos que devastou o Rio Doce desde a Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em Mariana/MG, até o litoral do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Bahia. 

2019 viu serem completados quatro anos do maior crime ambiental da história da mineração mundial e da história do Brasil, num acúmulo de agressões continuadas, que criaram cenários de desumana dor e falta de perspectiva. 

A saúde física, psicológica, emocional e financeira das pessoas atingidas continua sendo destruída pela incompetência proposital da Fundação Renova e a leniência injustificável dos órgãos públicos.

Estudos independentes produzidos por consultorias contratadas pelo Ministério Público Federal (MPF), pela Universidade de São Paulo (USP), pelas universidades que compõem a Rede Rio  Doce Mar – nela incluída a capixaba Ufes – e pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, constataram as denúncias do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) e dos coletivos de apoio aos atingidos, todas negadas pela Renova e suas financiadoras criminosas. Apesar da insistente negativa, os estudos podem ser considerados o maior ganho dos atingidos neste 2019, pois fornecem substrato para futuras ações de enfrentamento mais agudo na defesa dos direitos dos atingidos. 

Outra conquista que merece destaque é o reconhecimento dos camaroeiros da Praia do Suá, em Vitória, bem como a forma de cálculo das suas indenizações, que devem começar a serem pagas neste janeiro de 2020. “Este acordo é uma importantíssima conquista, pois permitiu, a partir de uma mesa de negociação coletiva, inserir o grupo de atingidos diretamente na avaliação, mensuração e qualificação dos danos, bem como identificar os atingidos que compõem a referida comunidade. A partir disso, 39 embarcações e 192 atingidos serão indenizados a partir de janeiro”, avalia o defensor público estadual Rafael Portella.

No tocante à governança, a estagnação e o desrespeito são gritantes. Os acordos extrajudiciais – Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) – são sistematicamente descumpridos pelas empresas e sua Fundação, sem qualquer punição efetiva por parte do Comitê Interfederativo (CIF).

Essa desobediência alcançou também o Parlamento capixaba, que deu voz de prisão ao presidente da Renova, Roberto Waack, durante reunião da CPI da Sonegação e decidiu por encaminhar ao governador Renato Casagrande (PSB) pedido para extinguir os benefícios fiscais de que gozam a poderosa Vale

Em campo, os atingidos realizam jornadas de lutas, ocupações, manifestos e denúncias em busca de dignidade. Em setembro, o MAB deu início à Jornada de Lutas dos Atingidos, com o tema a “Vale Destrói, o Povo Constrói”, lembrando os quatro anos do crime da Samarco em Mariana/MG e um ano do rompimento em Brumadinho, também em Minas Gerais, em 25 de janeiro. O encerramento está previsto para 25 de janeiro de 2020. 

Na esteira da Jornada, os coletivos de atingidos participaram da apresentação do relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, presidida pelo deputado Helder Salomão (PT/ES), após diligências nos territórios capixabas atingidos pela Samarco. Também estiveram presentes da Feira da Saúde dos Atingidos em Baixo Guandu/ES, cujo prefeito, Neto Barros (PC do B), chegou a sofrer ameaça de processo judicial pela Renova por denunciar, nas reuniões do CIF, os desmandos das empresas para negar assistência aos atingidos.

O CIF, a propósito, além de patinar na função de fiscalização, ainda assistiu passivamente à saída da Fundação Renova de suas reuniões mensais, sob argumento de que se sente intimidada pela presença dos atingidos nos encontros, que tem se tornado mais robusta nos últimos meses deste ano. 

Presença mais robusta, porém ainda muito atropelada, na visão do MAB. “No TAC da Governança essa participação deveria ser com apoio de assessorias técnicas, mas elas não foram contratadas”, explica Heider José Boza, do MAB/ES. “O CIF e a Renova estão com posturas muito ruins. E o CIF está aparentemente muito mais favorável às empresas esse ano”, observa o militante. 

Já a Justiça segue seu lento passo, muitas vezes tropeçando em decisões desligadas de qualquer embasamento lógico e humanístico, tomadas pelo juízo da 12ª Vara Federal, em Belo Horizonte, cujo magistrado Mário de Paula Franco Júnior chegou ao absurdo de, entre tantas decisões favoráveis aos interesses das empresas criminosas, autorizar o desconto do valor pago em auxílio emergencial, do montante referente ao lucro-cessante pago anualmente aos atingidos cadastrados – grupo que talvez não represente nem 10% do total de atingidos.

A sentença foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal (TRF), que no último dia de atividade do ano antes do recesso judicial, em 19 de dezembro, suspendeu a liminar de Mario de Paula. “Mais uma vez, o TRF confirma a impossibilidade de desconto do auxílio financeiro das indenizações”, comemora Rafael Portella.

Em 2020, o defensor público plantou seu otimismo principalmente na contratação das assessorias técnicas, cujo orçamento está em fase final de negociação. “Embora muito difícil, estamos otimistas na sua conclusão, objetivo principal de todas as defensorias e ministérios públicos envolvidos no processo”, argumenta.

O início de 2020 pode ainda ser marcado pela decisão do juiz Wellington Lopes da Silva, da Vara Federal de Linhares, no norte do Estado, sobre a manutenção, ampliação ou extinção da proibição de pesca no mar e no Rio Doce. O último prazo para argumentação das partes no processo – Samarco e MPF – é 22 de fevereiro, quando então, o magistrado irá dar sua sentença. 

No âmbito do Legislativo capixaba, resta a expectativa sobre o ex-líder do governo, Enivaldo dos Anjos (PSD), se manterá sua obstinação em exigir o fim das isenções fiscais historicamente concedidas pelo Estado do Espírito Santo à Vale. Se sim, mais uma promessa de avanço no lamacento universo dos crimes da gigante da mineração. 

Para o MAB, 2020 será um ano de intensificação das denúncias e exigência de atendimentos aos direitos dos atingidos. Organismos internacionais e o Palácio Anchieta estão na mira. “A Secretaria de Estado de Saúde tem que tomar uma posição”, destaca Heider José Boza, referindo-se à temática saúde dos atingidos. “Esse tema é o que vai mais estourar daqui pra frente”, vislumbra. “Nem tudo se manifesta imediatamente de forma aguda. Alguns problemas crônicos começam a surgir após um tempo de exposição permanente aos contaminantes”, explica. 

 

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